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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Indenização por desapropriação: entenda como funciona

 Desapropriação é o instrumento ou procedimento pelo qual o Estado pode transformar um bem particular em um bem público nos casos de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social.  Para tanto, via de regra o Estado deve pagar ao particular uma indenização prévia e justa.

Existem basicamente duas modalidades de desapropriação: a direta e a indireta. Na desapropriação direta, o poder público segue um procedimento e acerta uma indenização com o proprietário antes de tomar posse do bem.

Já na desapropriação indireta, o poder público primeiro toma posse do bem e somente acerta uma indenização com o proprietário, caso ele venha a reclamar.


Desapropriação indireta

A desapropriação indireta se trata de uma desapropriação irregular, uma vez que, neste caso, primeiro o poder público toma posse do bem para depois, caso o proprietário venha a reclamar, discutir o pagamento de uma indenização correspondente.

Digamos que a prefeitura de um determinado município tenha tomado posse de um terreno considerado como “abandonado” e nele tenha construído uma escola para aquela comunidade.

Ao perceber que foi tomado posse de seu terreno, o proprietário instintivamente pensa em entrar com uma ação de reintegração de posse. No entanto, como a “invasão” não se deu por um particular (mas sim pelo poder público), não há como pleitear uma reintegração de posse, restando ao proprietário requerer uma indenização por meio de uma ação de desapropriação indireta.

A ação de indenização por desapropriação é o recurso disponível para que o proprietário do bem expropriado possa receber o valor correspondente a esse bem, nos casos em que o Estado venha a tomá-lo de forma irregular.

Nesses casos, a ação tem como única finalidade buscar o ressarcimento, ou seja, a indenização pelo bem expropriado, devendo o Estado pagar a mesma indenização que pagaria caso tivesse iniciado a apropriação direta (regular).

Vale ressaltar que a desapropriação não poderá ocorrer pela simples e pura vontade do poder público, devendo ser fundada nos preceitos constitucionais de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social. É por essa razão que, ainda que ela ocorra de forma irregular (indireta), o proprietário poderá pleitear tão somente uma indenização e não a reintegração do bem.

Direito à indenização por desapropriação

O direito à indenização por desapropriação está previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Vejamos:

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

Trata-se de uma garantia fundamental que tem como intuito proteger a propriedade privada, ainda que tenha prevalecido o interesse público. Em outras palavras, por mais que tenha prevalecido o interesse público (o que deu legitimidade ao Estado para tomar um bem de um particular), não se deixa de proteger a propriedade privada (o bem do particular) quando se prevê o direito à indenização por desapropriação.

Logo, o direito à indenização passa a ser uma garantia para o particular. É dessa forma que ocorre o “contrapeso”: o particular perde o seu bem, mas ainda tem direito a uma indenização, reequilibrando o interesse público e o interesse privado.

Como já vimos, via de regra a indenização será prévia, ou seja, primeiro o poder público deve iniciar um procedimento para a desapropriação e indenizar o proprietário, para só depois tomar posse do bem (desapropriação direta).

Porém, também pode ocorrer a desapropriação indireta. Nesse caso, o proprietário que toma conhecimento da posse do bem pelo Estado deverá ingressar com uma ação de desapropriação indireta para obter a sua indenização. Contudo, em ambos os casos, a indenização deverá ser justa.

Existe ainda um prazo para que o proprietário possa exercer o seu direito e reclamar pela indenização; conforme a Súmula 119 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse prazo era de 20 anos.

Contudo, o STJ passou a entender que o prazo previsto para a ação de usucapião deveria ser aplicado por analogia às ações de desapropriação indireta. Nesse sentido, atualmente, o prazo para requerer a indenização por desapropriação segue o previsto no artigo 1.238 do Código Civil (parágrafo único): 10 anos. Esse prazo poderá ser de 15 anos quando comprovado que não houve a utilização do bem pelo poder público, ou seja, quando não houve destinação nem foi realizada nenhuma benfeitoria.

A desapropriação por zona

Vimos que, para que ocorra a desapropriação, o bem expropriado deverá atender uma necessidade ou utilidade pública, ou interesse social (requisitos constitucionais). No entanto, será que a área expropriada poderá ser maior do que aquela que será efetivamente utilizada pelo poder público?

A resposta é sim! Essa é a denominada desapropriação por zona ou extensiva. Veja o que dispõe o artigo 4º do Decreto-Lei nº 3.365 de 1941 que trata das desapropriações por utilidade pública:

Art. 4º  A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.

Isso pode acontecer uma vez que a própria obra realizada pelo poder público seria responsável pela valorização daquela área correspondente. Assim, ao poder público é permitido desapropriar uma área maior do que a necessária para a execução de sua obra ou serviço, podendo vir a revendê-la posteriormente, quando responsável por agregar-lhe valor.

Em conclusão, além da área necessária à obra ou ao serviço, podem ainda ser desapropriadas as áreas destinadas ao prosseguimento da obra ou do serviço, assim como a reservada para revenda. Vale dizer que essa separação entre áreas indispensáveis e destinadas para revenda deve constar na declaração de utilidade pública, conforme mencionado na parte final do artigo acima citado.

Desapropriação terra nua ou terreno vegetal

Um dos grandes impasses jurídicos em torno da desapropriação envolve as questões de indenização: se ela deve se dar sobre a terra nua ou incluir a cobertura vegetal, ou ainda se essa indenização se dará em conjunto ou separado.

Por terreno vegetal ou cobertura  vegetal entende-se as formas de vegetação, que podem ser de origem natural ou plantadas, que recobrem uma determinada área ou terreno.

Para melhor entendermos esse conceito, vamos tratar brevemente de Área de Preservação Permanente (APP) e Área de Reserva Legal. Ambas são áreas protegidas para cumprir o disposto no artigo 225 da Constituição Federal, que prevê como direito fundamental um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

As APPs têm como finalidade assegurar a manutenção de determinadas áreas de forma permanente, como o próprio nome já diz. Por exemplo, proibir a exploração de uma mata que protege uma determinada nascente de água. 

As áreas de reserva legal são uma parte de um determinado imóvel, que podem corresponder a até 80% de sua área, para que se preserve os núcleos biológicos daquela área territorial. Essa área poderá ser destinada para fins econômicos, desde que seja aprovado um plano de manejo pelo órgão ambiental. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm divergido em relação à indenização ou não da cobertura vegetal, principalmente nas APPs. O STF entende que o cálculo deve incluir o valor dessas áreas, mas o STJ considera que a indenização deve ficar limitada ao valor da terra nua.

O entendimento atual majoritário é de não indenizar as APPs nas ações de desapropriação, uma vez que esses espaços nunca poderão ter uma destinação econômica. Quanto às áreas de reserva legal, via de regra não serão indenizadas, embora a indenização seja possível. Nesse último caso, cabe ao proprietário comprovar que a desapropriação do pedaço lhe causou um prejuízo econômico ou lhe privou de uma fonte de renda, desde que legal. 

Mas fique atento, pois ainda existem decisões do STF no sentido de indenizar as APPs nas ações expropriatórias.

Veja o que disse o Ministro Gilmar Mendes em decisão monocrática de outubro de 2019, proferida na Reclamação 34.301 sobre esse assunto: 

“a exclusão de qualquer indenização pela cobertura florística e arbórea em áreas de preservação permanente e limitações administrativas já existentes (…) afronta a decisão proferida por esta Corte ao julgar o RE 248.052 AgR”

Outro questionamento quanto à indenização ou não da cobertura vegetal é se ela se daria em conjunto ou em separado do valor da terra nua. 

O fato é que a separação do valor da terra nua e da cobertura vegetal no cálculo da indenização terá efeito quando a cobertura vegetal representar efetivamente um valor econômico.

Nesse sentido, a indenização em separado do valor global (terra nua) terá lugar quando o proprietário expropriado demonstrar a capacidade de exploração econômica lícita que aquela cobertura representa, a fim de garantir-lhe uma justa indenização e levando em consideração todo o potencial da propriedade.

Pagamento da indenização por desapropriação

Para tratarmos das formas de pagamento, precisamos separar as espécies de desapropriação. Lembre-se de que ela poderá ocorrer por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social.

A desapropriação por necessidade ou utilidade pública pode ser promovida por qualquer ente federado, ou seja, poderá ser requerida pelos municípios, estados, Distrito Federal ou pela União.

Em se tratando de desapropriação por interesse social, só poderá ser requerida pela União para fins de reforma agrária ou pelo município nos casos em que ocorrer o descumprimento da função social da propriedade urbana.

Entenda! Quando a desapropriação se der por descumprimento da função social para fins da reforma agrária, o pagamento se dará através de títulos da dívida agrária resgatáveis em até 20 anos.

Quando a desapropriação tiver como fundamento o descumprimento da função social da propriedade urbana, a indenização poderá ser paga através de títulos da dívida pública resgatáveis em 10 anos.

Fora dessas hipóteses, o pagamento da indenização por desapropriação deverá ser realizado em dinheiro, como prevê a nossa Constituição.

Ainda, quando se tratar de desapropriação para fins de reforma agrária, a indenização da terra nua será realizada por meio de títulos, mas as benfeitorias existentes deverão ser pagas em dinheiro.

Valor da indenização por desapropriação

A indenização por desapropriação deve ser sempre justa. Justa indenização significa aquela que reflete o valor real do bem expropriado (que foi tomado pelo poder público), bem como outros prejuízos que o proprietário venha a sofrer com a perda do bem.

A título exemplificativo, imagine que o poder público necessite desapropriar uma área em que será construída uma nova rodovia para facilitar o acesso a um porto já existente. No entanto, um dos proprietários afetados mantém em sua propriedade um “pesque pague”, explorando-o economicamente. Nesse caso, a indenização paga ao proprietário deverá recompor não somente o valor do bem, mas também aquilo que o proprietário deixará de ganhar (lucro cessante) ao perder esse bem.

Para ser justa, a indenização deve incluir, além do valor do bem, danos emergentes e lucros cessantes, bem como o pagamento de juros compensatórios e moratórios, correção monetária, despesas judiciais e honorários advocatícios, conforme o caso.

Mas qual o momento em que esse valor é fixado e por que isso é importante? É o que veremos no próximo tópico.

Juros em desapropriação

Primeiramente é preciso saber que um processo por desapropriação pode levar muito tempo para ser solucionado, tanto pela via administrativa como pela judicial.

Na via administrativa será apresentado um valor de indenização; caso o proprietário concorde, o valor fixado será o acordado entre as partes.

Na via judicial, o valor da indenização por desapropriação é normalmente indicado na petição inicial (aquela que dá início ao processo). Contudo, durante o processo o juiz deve determinar a realização de uma perícia para definir o valor a ser pago.

Ocorre que, entre a definição do valor e o efetivo pagamento ao proprietário expropriado, pode existir um lapso temporal bastante significativo, podendo ainda o Estado solicitar a imissão da posse do bem de forma antecipada, mesmo sem indenizar o proprietário.

Nesse sentido, a fim de minimizar os prejuízos sofridos pelo proprietário, estão previstas algumas formas de recomposição desse valor. Uma delas é através do pagamento de juros.

Juros compensatórios na indenização por desapropriação

Os juros compensatórios serão devidos ao proprietário expropriado quando houver a imissão antecipada da posse em favor do poder público. Muitas vezes, como os processos de desapropriação são longos, o poder público pode requerer que ele desde logo tome posse do bem dando início à construção de obras, por exemplo, enquanto se discute o valor da indenização que será paga ao proprietário.

Quando o estado requer o afastamento do proprietário para tomar posse do bem de forma antecipada, ele deve depositar o valor em que o bem foi avaliado, podendo o proprietário sacar até 80% deste valor, permanecendo o restante depositado em juízo.

Nesse caso, os juros compensatórios servirão para remunerar o proprietário sobre a perda de uma renda pela produção de frutos naturais ou civis, em razão da antecipação da imissão da posse. Logo, se o imóvel não possuía grau de utilização, ou seja, não gerava renda, não haverá o pagamento de juros compensatórios.

Uma vez constatado o direito ao recebimento dos juros compensatórios, eles serão pagos sobre a diferença entre o valor da indenização fixada na sentença e o valor levantado pelo proprietário (aqueles 80% citados no início), conforme entendimento atual do STF.

Quanto ao percentual dos juros a ser aplicado, existem algumas regras a serem seguidas.

Aplicação das decisões do STF sobre juros compensatórios

Pois bem, até 1997, considerava-se a aplicação do percentual de 12% ao ano a título de juros compensatórios nas ações de desapropriação, por força da Súmula 618 do STF.

A MP 1.577/1997 foi editada a fim de tentar reduzir esse percentual, passando a ser aplicado o percentual de 6% ao ano. Essa medida foi reeditada várias vezes até 2001, quando o STF julgou de forma provisória (sede de cautelar) a ADI 2.332, considerando essa redução de 12 para 6 por cento como inconstitucional.

Em 2018, o STF julgou então a ADI 2.332 de forma definitiva, revendo sua própria decisão (aquela tomada em fase de medida cautelar), entendendo que o juro deve ser aquele fixado em lei, passando agora a considerar constitucional a aplicação do percentual de 6% para os juros compensatórios.

Em resumo, o cenário é o seguinte: juros compensatórios de 12% até a edição da MP 1.577/1997, juros de 6% de 1997 a 2001, juros de 12% de 2001 a 2018 e novamente juros de 6% ao ano de 2018 em diante.

Neste momento, o que se  discute é qual o efeito que essa decisão do STF na  ADI 2.332 deve ter. Se os efeitos dessa decisão não forem retroativos, esse cenário de 12% e 6% de acordo com o período deve permanecer. Logo, se os efeitos passarem a retroagir, o percentual a ser considerado deve ser o de 6% para todos os períodos.

Juros moratórios

Os juros moratórios também têm o condão de remunerar o proprietário; mas, diferentemente dos juros compensatórios, eles serão devidos quando houver atraso no pagamento da indenização.

Juros moratórios e juros compensatórios podem ser cumuláveis no pagamento de indenização por desapropriação, mas não incidirão sobre o mesmo período.

Como explicado anteriormente, o juro compensatório,  irá incidir no período entre a imissão provisória da posse até a emissão do precatório requisitório para pagamento da indenização. Já os juros moratórios irão incidir a partir da mora do poder público. Ou seja, quando ocorrer a demora no pagamento uma vez excedido o prazo previsto pela  Constituição Federal (artigo 100) para tanto.

Problemas com o pagamento da indenização

Deu para perceber que, apesar de parecer simples, chegar a um valor justo para a indenização por desapropriação é bastante complicado. Além do valor do bem, existe uma série de elementos que podem compor o valor da indenização.

Além disso, as formas de pagamento se diferem de acordo com o tipo de desapropriação e a finalidade ou destino do bem nas mãos do poder público. Por isso, não deixe de consultar uma assessoria especializada e evite problemas com o pagamento da indenização por desapropriação. 

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