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domingo, 20 de fevereiro de 2022

 



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Art. 89. Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do país, pela do último em que houver tocado. 


Crimes praticados a bordo de embarcações e competência 

Aplicação da lei penal nacional aos crimes cometidos em embarcações: De acordo com o que dispõe o artigo 5o do Código Penal, aplica-se a lei brasileira ao delito praticado no território nacional, sendo que, para efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, ou em porto ou mar territorial do Brasil. Às aeronaves ou embarcações estrangeiras de natureza pública, de representantes diplomáticos por exemplo, aplicam-se as normas do artigo 7o do Código Penal que versam sobre a extraterritorialidade da lei penal.  

Competência para julgar crimes cometidos em embarcações: Os crimes cometidos em embarcação e sujeitos à lei penal brasileira serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação após o crime ou, quando se afastar do país, pela do último em que houver tocado.  

Mar territorial brasileiro: Consoante a Lei no 8.617, de 4 de janeiro de 1993, o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.  

Delitos a bordo de navios e aeronaves e Justiça Federal: Segundo o disposto no artigo 109, inciso IX da CF, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar. É pacífico o entendimento de que a competência federal se restringe aos delitos praticados em navios de grande porte, isto é, aptos a navegar em alto-mar.


Compete à Justiça Estadual julgar crime cometido a bordo de balão



Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves
O art. 109 da CF/88 prevê a competência da Justiça Federal comum em 1ª instância.
O inciso IX estabelece que é competência da Justiça Federal julgar os crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;

Conceito de aeronave
A definição do que seja aeronave está no art. 106 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica):
Art. 106. Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.
Parágrafo único. A aeronave é bem móvel registrável para o efeito de nacionalidade, matrícula, aeronavegabilidade (arts. 72, I, 109 e 114), transferência por ato entre vivos (arts. 72, II e 115, IV), constituição de hipoteca (arts, 72, Il e 138), publicidade (arts. 72, III e 117) e cadastramento geral (art. 72, V).

Conceito de navio: embarcação de grande porte
Segundo a jurisprudência, quando o art. 109, IX, da CF/88 fala em “navio”, quer se referir a “embarcações de grande porte”. Assim, se o crime for cometido a bordo de um pequeno barco, lancha, veleiro etc., ainda que em navegação, a competência não será da Justiça Federal:
(...) A expressão "a bordo de navio", constante do art. 109, inciso IX, da CF/88, significa interior de embarcação de grande porte.
2. Realizando-se uma interpretação teleológica da locução, tem-se que a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros, pelo potencial marítimo do navio, possam ser deslocados para águas territoriais internacionais. (...)
STJ. 3ª Seção. CC 43.404/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/02/2005.

Aeronave voando ou parada
A competência será da Justiça Federal mesmo que o crime seja cometido a bordo de uma aeronave pousada. Não é necessário que a aeronave esteja em movimento:
É da competência da Justiça Federal processar e julgar delitos cometidos a bordo de aeronaves, nos termos do inciso IX do art. 109 da CF/88, não influenciando, para fins de competência, o fato de a aeronave estar em solo ou sobrevoando.
STJ. 3ª Seção. CC 143.343/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 23/11/2016.

Subtração de aeronave particular: Justiça Estadual
A subtração do próprio avião, que era particular, não se enquadra no conceito de delito cometido a bordo de aeronave, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal.
Embora o sistema de controle de fronteiras seja, nos termos do inciso XXII do artigo 21 da Constituição Federal, serviço da União, o delito ora investigado é o de roubo de um bem privado, razão pela qual o simples fato de a aeronave haver sido levada para o estrangeiro não é suficiente para demonstrar o interesse da União na apuração dos fatos, até mesmo porque, por se tratar de evasão clandestina, os serviços da Polícia Federal sequer foram utilizados.
STJ. 5ª Turma. HC 352.480/MT, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 01/06/2017.

Navio em situação de deslocamento internacional ou em situação de potencial deslocamento
Para que o crime cometido a bordo de navio seja de competência da Justiça Federal, é necessário que o navio esteja em deslocamento internacional ou em situação de potencial deslocamento.
Se o navio estiver atracado e não se encontrar em potencial situação de deslocamento, a competência será da Justiça Estadual.

O que é situação de potencial deslocamento?
Trata-se de conceito que deverá ser avaliado no caso concreto.
Ex1: se o navio (um transatlântico) se encontrava parado no porto para reabastecimento e, após este ser concluído, quando estava preparado para zarpar, ocorreu um delito em seu interior, pode-se entender que ele está em situação de potencial deslocamento internacional, sendo este delito de competência da Justiça Federal.
Ex2: se o navio estiver no estaleiro, para conserto, sem previsão de nova viagem, não se pode dizer que está em potencial deslocamento, sendo de competência da Justiça Estadual o julgamento de eventual delito ali cometido.
A embarcação deve estar apta, portanto, a realizar viagens internacionais.
Veja a ementa do julgado do STJ que resume a problemática exposta:
(...) 1. A Constituição Federal, em seu art. 109, IX, expressamente aponta a competência da Justiça Federal para processar e julgar "os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar".
2. Em razão da imprecisão do termo "navio" utilizado no referido dispositivo constitucional, a doutrina e a jurisprudência construíram o entendimento de que "navio" seria embarcação de grande porte o que, evidentemente, excluiria a competência para processar e julgar crimes cometidos a bordo de outros tipos de embarcações, isto é, aqueles que não tivessem tamanho e autonomia consideráveis que pudessem ser deslocados para águas internacionais.
3. Restringindo-se ainda mais o alcance do termo "navio", previsto no art. 109, IX, da Constituição, a interpretação que se dá ao referido dispositivo deve agregar outro aspecto, a saber, que ela se encontre em situação de deslocamento internacional ou em situação de potencial deslocamento.
4. Os tripulantes do navio que se beneficiavam da utilização de centrais telefônicas clandestinas, para realizar chamadas internacionais, pertenciam a embarcação que estava em trânsito no Porto de Paranaguá, o que caracteriza, sem dúvida, situação de potencial deslocamento. Assim, a competência, vista sob esse viés, é da Justiça Federal. (...)
STJ. 3ª Seção. CC 118.503/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/04/2015.

Navio ancorado X Avião pousado
Como você viu acima, a jurisprudência confere tratamento diferente se a hipótese for de navio ou de avião. Crime ocorrido em...
• NAVIO ancorado: competência da Justiça ESTADUAL (como regra);
• AVIÃO pousado: competência da Justiça FEDERAL.

Por que esta diferença de tratamento entre avião pousado e navio atracado?
Não há muita razão lógica. Foi uma distinção feita pela jurisprudência e que acabou se consolidando.

E no caso de crime cometido a bordo de um balão de ar quente? De quem será a competência?
Imagine a seguinte situação hipotética:
Um balão de ar quente decolou do Centro de Paraquedismo e, minutos após a decolagem, veio a cair, causando a morte de uma pessoa que estava em seu interior e lesões corporais em outras duas.
Iniciou-se um inquérito policial para investigar se o piloto do balão agiu (ou não) com negligência durante o voo, sendo, portanto, responsável pelo homicídio culposo e pelas lesões corporais culposas.
O Juiz de Direito (Justiça Estadual) declinou da competência para analisar o feito e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, por entender que houve um acidente aéreo envolvendo objeto voador equiparados a aeronave (balão de ar quente).
O Juízo Federal, por sua vez, suscitou conflito de competência perante o STJ (art. 105, I, “d”, da CF/88), alegando que um balão de ar não é juridicamente equiparado a aeronave, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica.

O que o STJ decidiu? De quem é a competência para apurar eventual crime praticado a bordo de balão de ar quente?
Justiça Estadual.

Balão não é aeronave
Balões de ar quente tripulados NÃO são considerados aeronaves para fins jurídicos.
Como vimos acima, a definição de aeronave está prevista no art. 106 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA):
Art. 106. Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.

O Prof. Doutor Daniel Marchi de Oliveira faz algumas ponderações sobre essa definição legal:
“Conforme demonstra a legislação nacional, a principal característica da aeronave é a de que seja em aparelho que voe (...)
Ainda de acordo com o CBA, a aeronave deve ser capaz de sustentar e circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas (...)
(...) os foguetes, as naves espaciais ou qualquer forma de engenhos espaciais destinados a percorrer o espaço estratosférico ou exterior não podem ser considerados aeronaves, além de não estarem na dependência de outra característica de aeronave, ou seja, das reações aerodinâmicas.
O outro elemento imprescindível de aeronave, conforme colocado no Código, é que seja capaz de transportar pessoas ou coisas, pouco importando o ponto de saída ou de chegada, e independente de qualquer forma de contrato de transporte, bastando que carregue pessoas ou coisas, como, por exemplo, serviço de propaganda, turismo, instrução, aerodesporto, pulverização ou aerofotogrametria. (...)
(...) considerando que aeronave compreende apenas os aparelhos que possam sustentar-se e circular no espaço aéreo “mediante reações aerodinâmicas”, fica excluída dessa definição os balões de ar quente. Por outro lado, inclui-se a pipa (papagaio) como aeronave, controlada por um cabo (linha).” (http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr/article/download/1109/660).

O Ministério Público Federal, por intermédio do Subprocurador-Geral da República Dr. Franklin Rodrigues Da Costa, elaborou também um valioso parecer sobre o tema no qual se analisou o art. 106 do CBA:
“Colhe-se da leitura do citado dispositivo legal duas restrições ao conceito de aeronave, que certamente exclui a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes ocorridos abordo de balões e dirigíveis. São elas: “aparelho manobrável em voo” e “sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas”.
Nessa linha de entendimento, restringindo-se o alcance do termo “aeronave”, previsto no art. 109, IX, da Constituição Federal, a interpretação que se dá ao referido dispositivo deve agregar o disposto no artigo 106 da Lei 7.565/1986, pois os balões e dirigíveis não são manobráveis, mas apenas controlados em voo, já que são guiados pela corrente de ar. De outro lado, sua sustentação não ocorre por reações aerodinâmica, mas por impulsão estática, decorrente do aquecimento do ar ao seu redor, tornando-o menos denso, sobe e o faz alçar voo. Assim, a competência para o processo e julgamento de eventual ação penal, decorrente do inquérito que originou este conflito, é da Justiça Estadual, porquanto o aeróstato (balões e dirigíveis) por não ser aparelho manobrável em voo e de sustentação por reações aerodinâmica não se amolda ao conceito de aeronave, previsto no art. 106 da Lei 7.565/1986.”

Desse modo, o balão de ar quente não se enquadra no conceito legal de aeronave por duas razões técnicas:
1) o balão não é um “aparelho manobrável em voo”. Ele é apenas controlado em voo, sendo guiado pelas correntes de ar;
2) o balão de ar não voa “mediante reações aerodinâmicas”. A sua sustentação no espaço aéreo ocorre por meio de impulsão estática decorrente do aquecimento do ar ao seu redor, tornando-o menos denso, o que faz com que suba.

Em suma:

Compete à Justiça Estadual o julgamento de crimes ocorridos a bordo de balões de ar quente tripulados. 
Os balões de ar quente tripulados não se enquadram no conceito de “aeronave” (art. 106 da Lei nº 7.565/86), razão pela qual não se aplica a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IX, da CF/88).
STJ. 3ª Seção. CC 143.400-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/04/2019 (Info 648).


Extraterritorialidade e competência para o processo e julgamento
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da capital do estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da capital da República.
Extraterritorialidade e competência para o processo e julgamento
Extraterritorialidade: O presente dispositivo versa sobre a aplicação da lei penal aos delitos praticados no exterior. É a extraterritorialidade da jurisdição. Os delitos praticados no exterior que ficam sujeitos à lei brasileira são descritos no artigo 7odo Código Penal. É competente para o processo e julgamento o juízo da capital do estado onde houver por último residido o acusado. Se esse nunca tiver residido no Brasil, a competência é do juízo da capital da República.
Princípios da proteção e da justiça universal: o inciso I e o parágrafo 3o do artigo 7o do Código Penal, ao sujeitarem à lei brasileira os crimes praticados contra a vida ou a liberdade do presidente da República, contra o patrimônio, a fé pública dos entes da federação e da administração e o crime praticado por estrangeiro contra brasileiro, consagram o princípio real ou da proteção. O inciso II do artigo 7o, por sua vez, submetendo à lei brasileira os delitos que o Brasil se obrigou a reprimir por tratado ou convenção e os praticados por brasileiro faz valer o princípio da justiça universal.
Extraterritorialidade incondicionada e condicionada: A extraterritorialidade incondicionada da lei penal verifica-se nos delitos arrolados no inciso I do artigo 7o do Código Penal, pois, no que tange a eles, a legislação não impõe qualquer condição para a aplicação da lei penal. Ao contrário, o parágrafo 1o do artigo 7o enuncia: Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. A extraterritorialidade condicionada da lei penal se faz presente nos delitos arrolados no inciso II do artigo 7o. As condições para a persecução penal desses delitos encontram-se descritas nos parágrafos 2o e 3o, letras a e b do artigo 7o.
Competência constitucional: Além de estabelecer onde se dará o processo, se na capital do estado onde por último houver residido o acusado ou se no Distrito Federal, é necessário definir qual a Justiça competente, se a Estadual Comum, a Militar, a Eleitoral ou a Federal. O delito eleitoral pode ser praticado no exterior. Basta, a título de exemplo, um brasileiro no exterior dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita (artigo 299 do Código Eleitoral). O crime federal também. Estando um bem de propriedade da União no exterior, alguém pratica infração penal em seu detrimento (artigo 109, inciso IV da CF).
Contravenções só no território nacional: Às contravenções penais não se aplica a regra da extraterritorialidade. São os dizeres da Lei das Contravencoes Penais (Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941), em seu artigo 2o: A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional.

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