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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Dos Crimes Contra a Administração Pública

Conceituado o princípio da insignificância ou bagatela e demonstrada as balizas estruturais de sua efetividade, analisaremos agora no âmbito das espécies de crimes contra a Administração Pública.

De acordo com o Doutrinador Rogério Greco[3], as espécies de crimes contra a Administração Pública consistem em um dos crimes mais lesivos  praticados contra a população em geral, tendo em vista que além da administração pública toda a sociedade é indiretamente afetada.

Como exemplo, tem-se a prática do crime de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal, o qual se define como o delito praticado por funcionário público que desvia verbas públicas para proveito próprio, ofendendo e lesionando milhares de pessoas, visto que os valores desviados poderiam ser diversamente empregados, favorecendo a sociedade como o todo.

Em outras palavras, são crimes que atingem diretamente o interesse público, a moralidade, a probidade, o prestígio e a atividade regular dos órgãos públicos.

Masson[4] (2014) sustenta que:

 “[…] todos estes crimes prejudicam, cada um a seu modo específico, a Administração Pública, e, por corolário, toda a coletividade, destinatária da atividade estatal. ”

Ou seja, a Administração Pública tem como garantidos os princípios constitucionais previstos no artigo 37, caput: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pertencendo a ela a responsabilidade de zelar pela coletividade e o interesse público. Tais princípios operam como garantia à Administração, bem como aos cidadãos.

O Código Penal estatui, em seus arts. 312 a 326 (Capítulo I), os crimes funcionais, ou seja, os delitos praticados por funcionário público contra a Administração em geral.

Exemplificando os crimes praticados, os de maior incidência são:  corrupção, peculato e descaminho, delitos de ação pública incondicionada em que a autoridade administrativa toma as devidas providências a fim de responsabilizar os envolvidos.

Posicionamento dos Tribunais na Aplicação do Princípio da Insignificância nos Crimes Contra a Administração Pública

Atualmente, ressalta-se que o tema em foco possui profundas discordâncias jurisprudenciais e doutrinárias, não havendo normas impositivas dessa causa supralegal de exclusão da tipicidade material relativos aos crimes contra a Administração Pública.

Destaca-se a Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça, anuncia a inaplicabilidade do princípio nos crimes contra a Administração Pública, in verbis:

Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (Súmula 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017)

Todavia, em sentido contrário o STF já reconheceu a atipicidade da conduta no HC107370, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/04/2011:

Subtração de objetos da Administração Pública, avaliados no montante de R$ 130,00 (cento e trinta reais). 3. Aplicação do princípio da insignificância, considerados crime contra o patrimônio público. Possibilidade.

A título de exemplo, ter-se-ia a subtração de uma caixa de clips ou a subtração de uma caneta, o que caracterizaria o crime de peculato-furto.

Dessa forma, não seria razoável submeter o funcionário público à responsabilização do delito contido no art. 312 do CP, nesse caso se afastaria assim a tipicidade da conduta e aplicar-se-ia o princípio da bagatela, pois a conduta em si não foi capaz de lesionar potencialmente a Administração Pública.

No mesmo sentido, Capez[5] (2018) sustenta que não existe razão para negar incidência nas hipóteses em que a lesão ao erário for de ínfima monta. É o caso do funcionário público que leva para casa algumas folhas, um punhado de clips ou uma borracha, apropriando-se de tais bens”, esclarece também, que o Direito Penal, sob a perspectiva do princípio da intervenção mínima, tutela bens jurídicos de forma objetiva, e não a moral.

Como se observa, há situações em que o princípio em tela será aplicado aos crimes contra a Administração Pública, assim sendo, é primordial a avaliação casuística, observando-se o princípio da razoabilidade para a possibilidade da incidência do princípio da insignificância.

Excepcionalidade da Bagatela no STJ

Sobre outro ponto de vista, é importante mencionar que apesar da Súmula 599 do STJ, a própria Corte da Cidadania (STJ) já flexibilizou e admitiu a incidência do princípio bagatelar no Recurso Ordinário em HC 85.272/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 23/08/2018:

(…)  A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada“.

Conforme demonstrado, sempre deverão ser aferidos caso a caso, a lesividade da conduta, a lesão ocasionada pelo bem jurídico tutelado, o grau de reprovabilidade da conduta do agente, o que a depender do cenário considerado, será avaliado a aplicação do princípio da insignificância aos crimes cometidos contra a administração pública, considerando que o bem jurídico tutelado nesses casos não é só patrimonial, mas o dever de lealdade à administração, a fidelidade do funcionário público  no desempenho de suas funções.

A Aplicação do Princípio da Insignificância Nos Exames 

Assim sendo, para fins de provas nos concursos públicos, em regra, as bancas cobram o entendimento sumulado, a “Súmula 599/STJ”, contudo, quando da exigência do entendimento do STF, deve-se se averiguar o seguinte:

→ O STF concorda com a Súmula 599 do STJ?

NÃO. O Supremo Tribunal Federal (2ª TURMA) considera a mitigação da Súmula 599 aos crimes de Descaminho, art. 334 do CP (iludir no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadorias lícitas no país), admitindo a aplicação do princípio da insignificância na referida circunstância, o entendimento que prevalece é no sentido de que a prática de crime contra a Administração Pública, por si só, não inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, devendo haver uma análise do caso concreto para se examinar se incide ou não o referido postulado, tendo o STF já admitido a aplicação do princípio em crimes diversos do de Descaminho.

Apesar disso, CUIDADO! A jurisprudência tanto do STJ quanto do STF é pacífica em admitir a aplicação do princípio da insignificância ao crime de Descaminho (art. 334 do CP), quando o valor do tributo não recolhido for igual ou inferior a 20 mil reais. Estando esse, topograficamente, inserido no Título XI do Código Penal, que trata sobre os crimes contra a Administração Pública.

Além disso, de acordo com o STJ, “a insignificância nos crimes de Descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato, etc. (AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/11/2013).

Como resultado, o princípio em tela pode ser aplicado nos crimes de descaminho sempre que o montante do imposto não ultrapassar R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por ser tal quantia considerada irrelevante para fins fiscais. A quantia fixada é estabelecida na Lei 10.522/02 em conjunto com Portarias do Ministério da Fazenda.

Ponderações importantes

Antes de mais nada, para melhor esclarecer o tema e maior compreensão do assunto, diferente dos crimes de Descaminho, tratando dos crimes de Contrabando, art. 334-A do CP, os Tribunais Superiores NÃO admitem a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor das mercadorias, pois sendo os bens tutelados deste delito a saúde pública e a ordem pública, não podem ser considerados irrelevantes no âmbito penal.

Mas como toda regra há sua exceção, o STJ já admitiu a excepcionalidade do delito para pequena quantidade de remédio para uso pessoal.

Sistematizando:

STFSTJ
– O STF (2ª TURMA) admite a aplicação do princípio da insignificância quando o montante não ultrapassar os R$ 20.000,00, nos crimes de Descaminho.

– Já reconheceu a aplicação do princípio da bagatela em  outros crimes.

– Não reconhece o princípio da insignificância independentemente do valor das mercadorias, nos crimes de Contrabando.  
Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.

– Admite a aplicação do princípio da insignificância quando o montante não ultrapassar os R$ 20.000,00, nos crimes de Descaminho.

–  Corte da Cidadania (STJ) já flexibilizou e admitiu a incidência do princípio bagatelar, em crime diverso do de Descaminho.

– Via de regra não reconhece o princípio da insignificância no crime de Contrabando, mas já EXCEPCIONOU aplicando o princípio da insignificância, quando pequena a quantidade de remédio (proibido pela legislação) para uso pessoal.
A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública.
  • Por fim, mas não menos importante, para o STF, somente a reincidência específica afasta a aplicação do princípio da insignificância.

Considerações Finais

Conforme mostrado, a controvérsia está longe de ter harmonia na jurisprudência e na doutrina, restando concluir que sem a existência de uma regra geral quando da aplicação do princípio, será sempre necessário a ponderação de valores na análise da situação no caso concreto.

Pelo exposto, tem-se que em alguns casos, quando presentes os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância nos delitos contra a Administração Pública, a tipicidade material da conduta será afastada, por outro lado, se verificado que a conduta praticada atingiu de maneira potencial lesionando assim a coletividade, torna-se inviável a aplicação da bagatela, sobretudo perante a reprovabilidade da conduta avaliada.

em conclusão, ressalta-se que o presente artigo tem o propósito de auxiliar o aluno em suas pesquisas ou revisões relacionadas ao tema adotado, não substituindo os cursos essenciais para o completo entendimento da matéria.

Até a próxima, pessoal!!


[1] NUCCI, Guilherme. Direito Penal-parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.83.

[2] ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro- parte geral

[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- parte especial. 9 ed. Niterói. Impetus, 2013. p. 389

[4] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Especial. Vol. 3. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2014.

[5] CAPEZ, FERNANDO. Curso de direito penal, Vol. I. 22 ed., São Paulo: Saraiva, 2018.

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