Há muito tempo se discute acerca da inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil de 2002, porém apenas em 2017 o Supremo Tribunal Federal pacificou um entendimento acerca do dispositivo, a fim de encerrar a instabilidade jurídica por ele provocada. Abaixo transcrevemos o artigo para melhor elucidação:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - Se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Inicialmente cumpre salientar que o artigo nasce no bojo do Código Civil de 2002, que nada previa acerca da Sucessão de Companheiros até então, por uma Emenda do Senador Nelson Carneiro, emenda essa muito criticada pelos doutrinadores, haja visto que até a alocação da temática no código constava como equivocada.
Segundo o referido artigo 1.790 do CC/02, a companheira ou o companheiro para poder participar da sucessão ou do quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, precisaria obedecer quatro condições. A primeira delas trata da concorrência com filhos comuns, quando o companheiro terá direito a uma cota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. A segunda hipótese é, se concorrer com descendentes só do autor da herança, terá a metade do que couber a cada um deles. A terceira condição trata a respeito aos outros parentes sucessíveis, quando o companheiro terá direito a um terço da herança. Por fim, caso não houvesse mais parentes sucessíveis, o companheiro terá direito à totalidade da herança.
Mas a questão mais debatida acerca do artigo se moldava ao redor da atribuição de direitos sucessórios diversos ao casamento e à união estável. O que se mostrava inconstitucional, haja visto que a discrepância no tratamento de cônjuge e companheiro não poderia existir, conforme Zeno Veloso, “não existe família de segunda classe”.
Ademais, diante de um caso onde a lei comete uma injustiça, inevitavelmente nasce a instabilidade jurídica. Provocada pelos inúmeros processos julgados de maneiras diferentes. Diversas decisões de tribunais em sentidos opostos, causando uma bagunça jurisprudencial.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) teve uma participação significativa na busca da inconstitucionalidade do referido artigo, que para a professora e diretora nacional do instituto é retrógrado e preconceituoso conforme dito:
“O artigo 1.790 é de feição extremamente retrógrada e preconceituosa, e a vigorosa maioria dos pensadores, juristas e aplicadores do direito tem registrado com todas as letras que o dispositivo é inconstitucional, exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram equalizadas pela ordem constitucional, como é o caso das entidades familiares oriundas do casamento e da união estável”
JULGAMENTO
Em 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal, encerrou o julgamento acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil. Os dois processos que tramitavam na corte foram julgados em definitivo e com repercussão geral.
Mas o julgamento não foi unanime, por exemplo, o ministro Marco Aurélio no que tange ao tratamento diferenciado da união estável diante do casamento, entendeu não haver inconstitucionalidade, orientando assim que se preservasse o art. 1.790 do Código Civil, com base no que consta do art. 226, § 3º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 que, o tratar da conversão da união estável em casamento, reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares.
Porém, seu voto restou como vencido, pois prevaleceu o posicionamento dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. O placar ficou em 8 votos a 2. Dessa votação surge o informativo n. 864 da Corte:
"o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso".
Como resta claro o direito neoconstitucional, conforme preceitua Hans Kelsen, traz os princípios pairando sobre a Constituição Federal, ou seja, eles irradiam efeitos sobre todo o ordenamento jurídico. E nesse caso em especifico pode se notar, a presença da prevalência dos princípios sobre as normas.
O STF, ao julgar pela inconstitucionalidade do referido artigo consagra além do principio da igualdade que deve ser aplicado entre cônjuges e companheiros (incluindo homoafetivos), bem como o principio da dignidade da pessoa humana, haja visto ser um principio norteador do direito civil, desde que o mesmo deixa de ter um cunho meramente patrimonialista. Assim, ficou evidenciado a proteção da dignidade da pessoa humana, em não excluir do companheiro, direitos que poderiam ser dele, pelo simples fato de não haver um casamento.
Os ministros, porém, resolveram destacar a segurança jurídica dos atos já praticados, assegurando que a inconstitucionalidade do artigo deve ser aplicada apenas a inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado, e nas partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/140774340/stj-julgaaconstitucionalidade-da-sucessao-em-casos-de-união-estável. Acesso em: 24/03/2019
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/380114976/stf-entende-que-art-1790-do-cceinconstitucional- Acesso em: 24/03/2019
https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI259678,31047-STF+encerra+o+julgamento+sobre+a+inconstitucionalidade+do+art +1790+do Acesso em: 24/03/2019
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