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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

PENAL: ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS - COMUNICABILIDADE DAS ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS - homicídio privilegiado

 Elementares são os dados fundamentais de uma conduta criminosa. São os fatores que integram a definição básica de uma infração penal. No homicídio simples (CP, art. 121, caput), por exemplo, as elementares são “matar” e “alguém”.

Circunstâncias, por sua vez, são os fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de aumentar ou diminuir a pena. Exemplificativamente, no homicídio, que tem como elementares “matar” e “alguém”, são circunstâncias o “relevante valor moral” (§ 1ª), o “motivo torpe” (§ 2º, I) e o “motivo fútil (§ 2ª II), dentre outras;

O critério que melhor possibilita a distinção é o da exclusão ou da eliminação.

Com efeito, excluindo-se uma elementar, o fato se torna atípico, ou então se opera a desclassificação para outra infração penal. Assim, é atípica, sem correspondência em tipo penal, a conduta de “matar” um objeto, e não alguém. E tomando como ponto de partida um desacato (CP art. 331), a eliminação da elementar “funcionário público” desclassifica a conduta para o crime de injúria (CP art. 140).

Por outro lado, a exclusão de uma circunstância tem o condão de apenas aumentar ou diminuir a pena de uma infração penal. Não lhe altera a denominação jurídica, incidindo apenas na quantidade da reprimenda a ser aplicada.”


O reconhecimento da qualificadora da" paga ou promessa de recompensa "(inciso I do § 2º do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário não qualifica automaticamente o delito em relação ao mandante, nada obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe. STJ. 6ª Turma. REsp 1.209.852-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015 (Info 575)


Comunicabilidade das Elementares e Circunstâncias no Código Penal

O artigo 30 do CP dispõe quanto à incomunicabilidade das circunstancias e condições de caráter pessoal, salvo se elementares do crime.

Um crime pode, em regra, ser praticado por uma ou mais pessoas. Ocorre o concurso de agentes ou concurso de pessoas, quando mais de um indivíduo, ciente e voluntariamente, participa da mesma infração, existindo uma convergência de vontades para um mesmo fim, a realização, mas quais são as circunstâncias, condições e elementares do crime?

Trazemos à tona, mais uma vez, os conhecimentos de Professor Damásio de Jesus, o qual quanto às condições e elementares dispõe:

“Circunstancias são dados acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, tem função de aumentas ou diminuir a pena, Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas dlicti). Não se consideram circunstâncias as causas de exclusão da antijuricidade e da culpabilidade

...

Elementares são os elementos típicos do crime, dados que integram a definição da infração penal.

As circunstancias podem ser:

a) Objetivas (materiais ou reais)

b) Subjetivas (ou pessoais)”, (DAMASIO, 2002, p. 430).”

O ilustre Dr. Fernando Capez, por sua vez, dispõe:

“a) As Circunstâncias subjetivas ou de caráter pessoal jamais se comunicam, sendo irrelevante se o co-autor ou participe delas tinha conhecimento (...) b) As circunstâncias objetivas comunicam-se, mas desde que o co-autor ou participe delas tenha conhecimento (...) c) As elementares, sejam objetivas, sejam subjetivas, se comunicam, mas desde que o co-autor ou participe delas tenha conhecimento” (CAPEZ, 2004, p. 336).”

Tendo vislumbrado que as circunstancias objetivas são aquelas que ligam os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lufar, objeto material e qualidades da vítima.

As circunstâncias subjetivas podem ser elencadas aqui como aquelas que dizem respeito com a própria pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidade pessoal e relações com a vítima ou com outros concorrentes.

No entanto, a comunicabilidade das elementares de caráter pessoal não é um mal existente em nosso ordenamento jurídico-penal. Em outras palavras, nem sempre a comunicabilidade das elementares pessoais nos crimes próprios conduz à aplicação de uma pena injusta. Exemplo disto é o que se dá no crime de peculato, quando o co-autor ou partícipe do funcionário público, que não pertence aos quadros da administração pública, incide nas penas deste delito (art. 312, caput, CP, pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa) e não nas penas do crime de apropriação indébita (art. 168, caput, CP, pena: reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa).

Abordando a comunicabilidade das elementares, é importante abordar, da mesma forma, quanto à Incomunicabilidade destas, pois como dispõe o Art. 30 CP “não se comunicam as circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”

As circunstâncias e as condições de caráter pessoal ou subjetivo são incomunicáveis aos co-autores ou partícipes do crime. Não há extensão dos efeitos das circunstâncias e condições pessoais. Tal é a inteligência do art 30 do CP, primeira parte. Cada sujeito responderá de acordo com as suas condições (menoridade, reincidência, parentesco etc.) Então, por exemplo, se um sujeito pratica um crime sendo reincidente, a agravante do art 61I, do CP não se estenderá ao co-autor ou ao partícipe; ou ainda, se dois sujeitos praticam um determinado delito, sendo um deles menor de 21 (vinte e um) anos, a atenuante do art 65I, do CP não se comunica para o outro. Na concepção de Mirabete (2000, p. 239), tem-se que:

“As condições e circunstâncias pessoais não se comunicam entre os co-autores ou partícipes. Assim, cada sujeito responderá de acordo com suas condições (menoridade, reincidência, parentesco) e circunstância (motivo fútil, de relevante valor social ou moral, de prescrição etc.)”

Desta mesma forma, podemos ver que as elementares e circunstanciais relacionadas ao crime de aborto não são passíveis de comunicabilidade, pois o Código Penal brasileiro tipifica as penas e sanções de forma personalíssima, e sabendo que está também é característica condiciona da comunicabilidade, não pode ser aplicado a terceiro o agravante ou atenuante do primeiro.

A exemplo, supondo que num crime de abordo onde, fora do conhecimento da gestante, o marido a leva para clínica de aborto, e lá a obriga a realizar o aborto e, por erro de procedimento é concretizado mas causando extensas lesões corporais, prejudicando a execução de atividades da gestante longo período de tempo.

Sendo o médico reincidente do crime de aborto, o marido partícipe neste mesmo crime, mas sem reincidências de nenhuma espécie, não podem ser comunicáveis as penas cominadas a estes sujeitos, contudo, quanto à Lesão Corporal Grave causada, tendo responsabilidade objetiva, deve o namorado também responder por participação neste crime, porém, mais uma vez, sem concorrer à comunicabilidade das circunstanciais e elementares do crime.


O que é homicídio “privilegiado”?


A figura do homicídio denominado pela doutrina como sendo privilegiado está estabelecido no artigo 121§ 1º, do Código Penal. Extrai-se do texto legal:

Art. 121. Matar alguém. Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Inicialmente, destaca-se que, apesar de ser chamado de “privilegiado”, tecnicamente está nomenclatura está equivocada, pois o crime verdadeiramente “privilegiado” deve ter penas miníma e máxima menores (impactando na primeira fase da dosimetria da pena), o que não acontece nesse caso.

Como se depreende da lei, haverá uma redução da pena de 1/6 a 1/3. Portanto, é uma causa de diminuição de pena e deverá ser levada em consideração na 3ª fase da dosimetria da pena.

Para trazer um exemplo de crime privilegiado, temos o infanticídio, o qual é formalmente um crime autônomo (artigo 123), mas materialmente é um homicídio “privilegiado”, pois possui penas mínima e máxima menores do que a do homicídio simples.

Importante mencionar que, se os jurados reconhecerem essa causa de diminuição de pena, o juiz deverá (e não poderá como diz o texto legal) reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Não é uma faculdade do magistrado.

  • Relevante valor social: interesse de ordem geral, coletiva (agressão a traidor da pátria);
  • Relevante valor moral: sentimento de ordem pessoal (agressão do pai da vítima ao estuprador da filha)

– Causa de diminuição (121, § 1º) x atenuante (artigo 65, III, a)

Tanto as hipóteses do artigo 121§ 1º, quanto do artigo 65III, alínea a, ambos do Código Penal, trazem situações parecidas, ou seja:

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral
Art. 121. Matar alguém:
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Todavia, não cabe a aplicação das duas ao mesmo tempo. Ou será a causa de diminuição ou será a agravante, sob pena de bis in idem.

Na causa de diminuição é necessário que o agente seja impelido, movido, impulsionado, constrangido, dominado pela motivação; enquanto que na atenuante basta que tenha agido por motivo de relevante valor social ou moral, o que representa, então, apenas uma influência e não algo que o domina.

– Eutanásia e o homicídio privilegiado:

O primeiro passo é saber o que é “eutanásia”.

  • Eutanásia: “homicídio piedoso” para abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente incurável, mas não desenganado.
    • ativa: pratica atos para matar;
    • passiva: deixa de aplicar remédio/tratamento.
  • Ortotanásia: paciente já desenganado. É um “homicídio piedoso” omissivo, pois deixa de ministrar remédios/tratamentos.
  • Distanásia: morte lenta e sofrida, prolongada pelos recursos da medicina.

Nos casos de eutanásia e ortotanásia aplica-se a causa de diminuição do homicídio privilegiado, pelo relevante valor moral.

Há quem discuta se se trata de excludente de ilicitude, fundada no consentimento do ofendido, sendo que essa hipótese se enquadra mais no caso da ortotanásia, pois o paciente já está desenganado.

Inclusive, o CFM entende que ortotanásia não é crime.

– Domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação:

O agente deve estar dominado pela excitação dos seus sentimentos (ódio, vingança, amor exacerbado, ciúme intenso) e foi injustamente provocado pela vítima, momentos antes de tirar-lhe a vida.

Ex.: casal de namorados passeando, vem um grupo de pessoas e agride o namorado. Ele vai para casa, pega uma faca e mata um dos agressores. Nesse caso (real), o Júri reconheceu o homicídio privilegiado.

Não se confunde com a legítima defesa, eis que neste caso utiliza-se dos meios necessários para repelir injusta agressão, sendo hipótese de excludente de ilicitude.

No caso do homicídio “privilegiado”, a conduta é ilícita, o que ocorre é uma diminuição da pena.

“Injusta provocação” não precisa ser um ato físico, pode ser moral/verbal.

Outrossim, “domínio de violenta emoção” e “premeditação” são incompatíveis.

– Causa de diminuição (art. 121, § 1º) x atenuante (art. 65, III, c)

Novamente, há semelhança entre o artigo 121§ 1º, e o artigo 65, inciso III, alínea c, ambos do Código Penal, sendo impossível a aplicação dos dois ao mesmo tempo:

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III – ter o agente:
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
Art. 121. Matar alguém:
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Todavia, no caso da causa de diminuição, o agente deve ter agido sob o domínio da violenta emoção e não influenciado, como no caso da atenuante.

Além do mais, para aplicar a causa de diminuição, a reação deve ser logo em seguida à injusta provocação, sendo que a expressão “logo em seguida” significa imediato/instantâneo, não pode ser horas ou dias depois. Nesta hipótese, será aplicada a atenuante e não a causa de diminuição de pena.

– Homicídio privilegiado-qualificado

Será possível considerar um crime de homicídio qualificado (artigo 121§ 2º, do Código Penal) como sendo “privilegiado”?

Como quase todas as respostas no Direito, depende.

Como o privilégio é causa de diminuição, não se aplicam às qualificadoras subjetivas, isto é, relacionadas com os motivos ou fins, como nos casos dos incisos:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino; e
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

A explicação é mais simples do que parece. O homicídio será considerado como “privilegiado” se os motivos que levaram a pessoa a praticá-lo forem relevantes, o que afasta as qualificadores relacionadas aos motivos (qualificados) que impulsionaram o agente a delinquir.

Assim, é possível reconhecer o homicídio privilegiado no caso das qualificadoras objetivas, relacionadas aos meios e modos, como no caso dos incisos:

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; e
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

Reconhecido o homicídio privilegiado-qualificado, o crime deixa de ser hediondo.

Apesar da existência desse entendimento que considera possível o homicídio privilegiado-qualificado (que eu acho correto), há quem diga que é impossível tal figura, pois o privilégio afasta a qualificadora, tanto que vem (topicamente) antes no Código, o privilégio está no § 1º enquanto as qualificadoras no § 2º, e que se fosse de interesse do legislador possibilitar que homicídios qualificados fossem considerados privilegiados, teria invertido a ordem dos parágrafos.

Espero ter ajudado na compreensão do tema.

Um grande abraço e até a semana que vem!

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