1 INTRODUÇÃO
O presente estudo conceitua e exemplifica a tese da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, bem como discute a aceitação pela doutrina e traz possibilidades de adoção da referida tese.
Tem por finalidade abordar o tema de forma sucinta, trazendo através de uma pesquisa bibliográfica, o melhor entendimento sobre o assunto.
Em seu primeiro capítulo será analisado o conceito de culpabilidade que nada mais é do que o juízo de reprovação social a uma conduta do autor, bem como seus elementos e suas excludentes, para melhor expor a possibilidade de tornar um fato ilícito não culpável. O Código Penal brasileiro prevê em seu artigo 22 duas causas legais de inexigibilidade de conduta diversa, quais são: coação moral irresistível e obediência hierárquica. Já as causas supralegais de exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta divers são aquelas que, mesmo não estando expressamente previstas nos dispositivos legais, são aplicadas em razão dos princípios fundamentais do direito brasileiro, com a finalidade de alcançar a justiça e a verdade real.
Em seu segundo capítulo trataremos brevemente das limitações da legalidade e da adoção da supralegalidade, no qual fala sobre um direito penal político-social, na qual envolve o legislativo e suas ínfimas possibilidades de prever todas as situações advindas da mente humana.
Ademais, o surgimento da inexigibilidade de conduta diversa caminha junto com a teoria da culpabilidade, em razão disto, a legislação começou a delinear as fórmulas legais em que a excludente seria aplicada, afastando sua supralegalidade, como nos casos da inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou ainda inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. No entanto, o legislador não conseguiu tipificar todos os casos possíveis de análise em relação à inexigibilidade de conduta diversa e sua excludente, tendo que, o próprio judiciário, analisar cada caso em concreto para então definir sua aplicação.
Verifica-se que a inexigibilidade de conduta diversa trata-se de um instituto de direito penal, que visa garantir a segurança jurídica e social, defendendo do poder punitivo do Estado, o indivíduo que, devido as circunstâncias não controladas por ele, perde o juízo de reprovação social, ou seja, age de forma que não agrida a sociedade, sendo que a generalidade de pessoas teria a mesma atitude.
Todas as situações de excludentes previstas na legislação são justificadas pela falta de normalidade da situação, que disciplina o modo de agir de acordo com a norma penal. Sendo assim, o presente estudo tem por fundamento principal demonstrar essa inexigibilidade de conduta diversa para exclusão da culpabilidade em fatos não previstos na lei, ou seja, como norma supralegal.
2 CULPABILIDADE
“Culpabilidade é um juízo de reprovação social a uma conduta do autor. É a censurabilidade a um fato típico e antijurídico”.[3] Pode-se dizer que é o caráter subjetivo da vontade do autor e, o resultado por ele alcançado é o pressuposto de imposição da pena.
Importante destacar que, são três os elementos da culpabilidade: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.[4] Vale dizer, ainda, que somente haverá censura ao fato típico quando presentes os três elementos mencionados.
Logo, segundo Nucci,
Culpabilidade é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de agir de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito.[5]
Para melhor compreensão do tema, enfatizar-se-á o terceiro elemento, a exigibilidade de conduta diversa e suas excludentes, haja vista as várias possibilidades de estudo referentes à culpabilidade.
2.1 EXCLUDENTES LEGAIS
O Código Penal Brasileiro, expressamente prevê as causas excludentes de culpabilidade, que alguns autores chamam de dirimentes de culpabilidade. Causas essas que excluem algum de seus elementos, eliminando também a própria culpabilidade, gerando assim a inimputabilidade penal; casos em que ocorrerá a absolvição imprópria, ou seja, o juiz absolverá o acusado impondo-lhe, conforme o caso, medidas de segurança.
As dirimentes são: erro de proibição (art. 21, caput, CP); coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte); obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte); inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput); inimputabilidade por menoridade penal (art. 27, caput) e inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º).[6]
No presente trabalho serão analisadas e exemplificadas de forma pormenorizada somente duas dessas excludentes, quais são: coação moral irresistível e obediência hierárquica, haja vista estarem atreladas ao elemento exigibilidade de conduta diversa, indispensável para o estudo do tema, não eximindo de igual importância as demais excludentes.
a) Erro de proibição: reza o artigo 21, caput do Código Penal que “o desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.[7]
Entretanto, ninguém poderá escusar o cumprimento da lei, alegando seu desconhecimento, contudo, é mister que o agente tenha pelo menos a possibilidade de saber que o fato é antijurídico.
Com efeito, “ocorre o erro de proibição quando o agente não tem ou não lhe é possível esse conhecimento”.[8]
Trata-se de uma falsa compreensão da ilicitude do fato.
b) Doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado: doença mental “é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de comandar a vontade de acordo com esse entendimento”.[9]
Já o desenvolvimento mental incompleto ou retardado “é uma deficiência mental que abarca graves defeitos de inteligência, consistente em termos gerais, na falta de desenvolvimento das faculdades mentais”.[10]
“É a incompatibilidade com o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade cronológica”.[11]
c) Menoridade penal: segundo o art. 27 do CP, art. 228 da Constituição da Republica Federativa do Brasil e art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis.[12] Deste modo, há uma presunção absoluta de que o menor de dezoito anos não tem capacidade de discernimento.
d) Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior: embriaguez “é uma intoxicação aguda e transitória, causada por álcool, ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos sejam eles entorpecentes (morfina, ópio, etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico)”.[13]
Preceitua o § 1º do art. 28 do Código Penal que,
É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.[14]
Com efeito, para que o agente seja inimputável em razão de embriaguez, esta deve ser completa, ou seja, deve retirar a total capacidade de entendimento e vontade do agente e deve ser proveniente de caso fortuito ou força maior.
2.2 EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Neste tópico será analisado este elemento apenas para complementar o entendimento acerca da culpabilidade, tendo em vista que será objeto de ampla discussão nas fases que seguem este trabalho.
A exigibilidade de conduta diversa, terceiro elemento da culpabilidade, “é a possibilidade do agente agir conforme as normas do direito”.[15]
Exige-se que o indivíduo tenha uma conduta diversa da praticada. Desta forma, não haverá censura ao mesmo quando, em determinadas circunstâncias que envolvam o fato, for inexigível outra conduta.
Este elemento norteia todo o conceito de culpabilidade, é importante para auferir a responsabilidade criminal do sujeito. Para que o Estado possa punir o responsável pelo fato delituoso, é necessário que, no caso concreto, seja possível a tomada de outra decisão, qual seja, não cometer o crime.
Com efeito, conforme já visto, há excludentes legais, expressas em lei, para este elemento, que são coação moral irresistível e obediência hierárquica.
2.2.1 Coação Moral Irresistível
“Desde logo deve-se enfatizar que a coação é moral (vis compulsiva), e não física (vis absoluta)”, [16] pois nesta, não há ação, visto que "não há atuação da vontade".[17]
Dita o art. 22 do CP, “se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.[18]
“Através da coação moral irresistível, o coator obriga o coato a praticar um delito contra a um terceiro (a vítima), suprimindo-lhe a capacidade de resistência pela ameaça”.[19]
Em outras palavras, de acordo com Nucci, “trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo deste último que cometa uma agressão contra terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal injusto e irreparável”.[20]
“O mal que é ameaçado deve ser grave, certo e inevitável, de modo a não permitir que se conduza conforme o direito”.[21]
No caso desta excludente em particular, é interessante observar a semelhança existente com a dirimente da legítima defesa, ambas ligadas à tese da inexigibilidade de conduta diversa. Porém, para que se possa alegar legítima defesa é necessário que tenha perigo atual e iminente, não sendo o caso da coação moral, na qual embora o fato delituoso decorra de um perigo certo, este não é atual nem iminente.
2.2.2 Obediência Hierárquica
Conforme disposto no art. 22, acima transcrito, se o fato é cometido em estrita obediência a uma ordem de um superior hierárquico, desde que não seja manifestamente ilegal, só é punível o autor da ordem, pois não era exigível que o subordinado tivesse outra conduta.
“A dirimente exige que a ordem não seja claramente ilegal, uma vez que se há o flagrante a ilicitude do comando da determinação superior, o sujeito não deve agir”.[22]
Aqui, pode-se dizer que há uma fusão entre o instituto da inexigibilidade de conduta diversa e do erro de proibição que elimina a potencial consciência da ilicitude.
Importante destacar que tal excludente é relevante única e exclusivamente para o setor público, uma vez que no setor privado a punição por uma desobediência hierárquica seria a demissão, já no setor público, o indivíduo poderia sofrer uma sindicância ou ser acusado de prevaricação, por exemplo.
3 AS LIMITAÇÕES DA LEGALIDADE E A ADOÇÃO DA SUPRALEGALIDADE
Por supralegalidade entende-se que são normas que não estão expressamente positivadas, ou seja, não estão escritas em códigos ou leis, estão além da legalidade, porém emanam do direito positivo para preencher suas lacunas.
Portanto, como o legislador não consegue prever todas as situações advindas da mente humana e do cotidiano, é imprescindível a adoção de soluções supralegais para a resolução de conflitos penais, buscando a verdadeira e fiel justiça, aquela que emana do povo para o povo.
Com isso, vemos a limitação da legalidade no direito penal que, mesmo visando a segurança jurídica, conforme defende alguns doutrinadores, não é capaz de sustentar a gama de novas possibilidades que traz a sociedade atual, pois a mesmo é mutável, e a mutação diária.
Importante para o presente estudo destacar o Princípio da Legalidade, na qual implica na “existência de uma infração penal e de uma pena à previsão legal específica, e dele são extraídas inúmeras consequências”[23]. Pode-se dizer que o Estado intervém na esfera das liberdades individuais. Esse princípio está assim manifestado pela locução “nullum crimen nulla poena sine previa lege”, prevista no artigo 5º, inc. XXXIX da Constituição Federal e artigo 1º do Código Penal, que dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal.[24]
Logo, depois de conceituado tal princípio, vejamos, algumas hipóteses onde a legalidade penal é violada pelo próprio sistema, quais sejam: a longa duração dos processos penais que deixam indivíduos presos sem condenação; as penas calculadas arbitrariamente com base em critérios totalmente subjetivos, além das penas aplicadas injustamente a pessoas que cometam fatos que não trazem consigo, em termos gerais, a reprovabilidade social.
Não se deve aceitar que o apego às normas justifique um golpe à justiça, ou que indivíduos sejam injustamente apenados pelo fato de não ter regra expressa para o caso concreto.
Nos dizeres de Asúa:
Para mim o Direito que, por cima e por baixo de seu caráter formalista tem natureza funcional, não deve jamais aparecer como injusto aos olhos do súdito jurídico. Proclamando a justiça como fim do direito, falou Stammler do Direito justo. Não podemos dizer às gentes simples e honradas: ‘sim, senhores, sim, a lei é justa, mas às vezes perpetra injustiças e para corrigir estas injustiças do conjunto que a lei representa, temos (...) o indulto’. Não podemos nem devemos dizê-lo. O intérprete deve se esforçar em extrair da lei o conceito de justiça e buscá-lo na forma de cultura, que é a base do direito e que, portanto, não é metajurídica, senão parte do próprio direito, como não é alheia a árvore da raiz. [25]
Ademais,
A criminalização de uma conduta deve ocorrer apenas quando for indispensável para a proteção de um determinado bem jurídico. O Direito Penal deve ser a ultima ratio, atuando somente quando os demais ramos do Direito não se mostrarem capazes de tutelar o bem jurídico relevante.[26]
Em relação a tese da inexigibilidade na esfera da supralegalidade, “não há porque deixar de admitir a exclusão da culpabilidade quando uma conduta típica ocorreu sob a pressão anormal de acontecimentos e circunstâncias que excluem o caráter reprovável dessa mesma conduta”[27]. Ainda, “se a conduta não é culpável, por ser inexigível outra, a punição seria injusta, pois não há pena sem culpa. Daí ser possível a adoção da teoria de inexigibilidade como causa supralegal de exclusão da culpabilidade”.[28]
Contudo, pode o Juiz decidir, com respaldo nas causas supralegais e com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, o princípio da inexigibilidade de conduta diversa, a saber:
Art. 186. O juiz absolverá o réu, mencionado a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência.[29]
Portanto, conclui-se que, a utilização da supralegalidade implica a adoção de soluções não previstas expressamente em lei, todavia coerentes com o ordenamento jurídico, as quais poderiam ser adotadas somente em benefício do indivíduo, nunca limitando sua liberdade, nem contrariando uma norma penal.
4 INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
Este Instituto teve suas origens nos Tribunais alemães, na época do Reich e surgiu a partir de uma decisão de um Tribunal e não de estudos doutrinários, como ocorre com a maioria das teses inovadoras do direito.
Giuseppe Bettiol, em sua obra, traz o conceito e a necessidade da existência da inexigibilidade de conduta diversa como causa de exclusão da culpabilidade, dizendo:
Para que uma ação possa dizer-se culpável, não basta que um sujeito capaz tenha previsto e querido um determinado evento lesivo, mas é necessário que a sua vontade tenha podido determinar-se normalmente rumo à ação: tal determinação normal não pode ser exigida quando as condições de fato em que o indivíduo atuar forem de tal ordem que tornem impossível ou muito difícil a formação de um querer imune de defeitos. Quando se admite, por exemplo, que em virtude da força maior seja impossível a imputação de um fato a um sujeito capaz, mesmo que tenha agido conscientemente, reconhece-se que no embasamento do juízo de culpabilidade encontra-se o princípio de que tal juízo deve ser excluído quando a vontade não puder determinar normalmente à ação, o que pode ocorrer tanto por um vício que incida sobre a representação das consequências da própria ação quanto sobre a livre determinação da própria ação. Numa concepção normativa, a culpabilidade desparece todas as vezes em que – dadas as condições do autor – não se possa ‘exigir’ do sujeito agente um comportamento diverso daquele efetivamente adotado.[30]
Assim, é certo dizer que a inexigibilidade de conduta diversa nada mais é do que o agente, mesmo agindo de forma a violar uma norma jurídica expressa, não ter outra opção de conduta naquela situação de fato, não gerando portanto, reprovabilidade no que tange ao âmago social.
Temos como exemplos indispensáveis para o estudo, as situações narradas por Odin Americano, que ocorreram na Alemanha, no começo do século XX e que, como afirma Masson, foram os primeiros acontecimentos que tiveram como consequência o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa como dirimente da culpabilidade[31]:
a) Cavalo bravio: o proprietário de um cavalo indócil ordenou ao cocheiro que o montasse e saísse a serviço. O cocheiro, prevendo a possibilidade de um acidente, se o animal disparasse, quis resistir à ordem. O dono ameaçou de dispensa caso não cumprisse o mandado. O cocheiro, então, obedeceu e, uma vez na rua, o animal tomou-lhe as rédeas e causou lesões em um transeunte. O Tribunal alemão absolveu o cocheiro sob o fundamento de que, se houve previsibilidade do evento, não seria justo, todavia, exigir-se outro procedimento do agente. Sua recusa em sair com o animal importaria a perda do emprego, logo a prática da ação perigosa não foi culposa, mercê da inexigibilidade de outro comportamento.
b) Parteira dos filhos de mineradores: a empresa exploradora de uma mina acordou com seus empregados que, no dia do parto da esposa de um operário, este ficaria dispensado do serviço, sem prejuízo de seus salários. Os operários solicitaram da parteira encarregada dos partos, no caso de nascimento verificado em domingo, declarasse no Registro Civil que o parto se verificara em dia de serviço, ameaçando-se de não procurar seu mister se não os atendesse. Temerosa de ficar sem trabalho, a parteira acabou em situação difícil, por atender à exigência, e tornou-se autora de uma série de declarações falsas no Registro de Nascimento. Foi absolvida, por inexigibilidade de conduta diversa.[32]
Nos casos expostos, e sobre a inexigibilidade de conduta diversa, vemos que os autores cometem fatos típicos e ilícitos, nos quais persiste a antijuridicidade, porém, naquelas circunstâncias, os atos não podiam ser censurados, pois não se exigia dos autores que agissem conforme o Direito.
A exigibilidade das normas jurídicas, conforme diz Santos, não é cega, está condicionada a um conjunto de determinações que regem a vida social, as quais os legisladores não conseguem prever.[33]
“Como vemos, pode o aplicador simplesmente adequar o fato à norma positiva e trazer uma solução injusta ao caso concreto.”[34]
Ademais, conforme visto no terceiro capítulo deste trabalho, o próprio sistema penal não respeita as normas, o garantismo não mais traz certeza jurídica contra a vontade do Estado, deixando de proteger-nos contra a indiferença do mesmo, sendo por causa da classe social ou política a qual pertencemos.
É certo que as inúmeras situações criadas pela mente humana dificultam na formalização e orientação do juízo de censura feito sobre a conduta do agente, até mesmo a morosidade do processo legislativo impossibilita a legalização de cada nova situação de inexigibilidade de conduta diversa como causa excludente de culpabilidade, porém, como já dito, a injustiça e o apego à interpretação una da lei não devem ser usadas como meios ágeis e rápidos de solucionar tais casos.
Importante observar também a falta de humanitarismo do Direito Penal. Senão vejamos:
Nota-se também que o Direito Penal não é humanitário, ele permite que o sistema atue à margem da lei, agindo arbitrariamente e punindo seletivamente, apenas as classes mais vulneráveis, cometendo, a todo o tempo, atentados contra o humanitarismo e contra a justiça.[35]
Para estabelecer os requisitos à aplicação da inexigibilidade de conduta diversa é necessário observar os valores e desvalores sociais, que advém de momentos históricos e do direito costumeiro. Tais valores e desvalores provém de fatores emocionais e científicos, nos quais determinam o grau de reprovabilidade da conduta do agente.
4.1 HIPÓTESES ESPECÍFICAS DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Em seguida, serão verificadas as principais hipóteses de inexigibilidade de outra conduta como causa supralegal de exclusão da culpabilidade:
a) Estado de necessidade exculpante: ocorre o estado de necessidade quando colidem bem jurídicos, e um deles acaba sendo sacrificado para salvar o outro. É o exemplo clássico do caso de dois náufragos que disputam uma tábua que suporta apenas uma pessoa e um náufrago mata o outro, há um sacrifício de valores iguais. Aqui, verifica-se um perigo atual, não causado por nenhum dos agentes. Segundo Capez,
Quando o bem destruído for de valor igual ou maior que o preservado, o estado de necessidade continuará existindo, mas como circunstância de exclusão da culpabilidade, como modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa (é o que a teoria chama de estado de necessidade exculpante).[36]
Para explicar o instituto há duas teorias. A teoria unitária diz que existe o estado de necessidade apenas como causa de excludente de ilicitude, para sacrificar bem jurídico de menor valor para salvar o de maior ou de igual valor. Já a teoria diferenciadora admite o estado de necessidade como excludente de ilicitude quando houver sacrifício de valores menores para salvar valores maiores e o estado de necessidade como excludente de culpabilidade para sacrifício de valores iguais ou maiores, desde que inexigível outro comportamento.
b) Excesso de legítima defesa exculpante: para se configurar excesso de legitima defesa é necessário que haja todos os requisitos da legitima defesa, porém tem que haver o emprego de meios necessários imoderados, ou seja, não se manter dentro dos limites do permitido em lei em relação à própria defesa.
Assim é a visão de Alberto Silva Franco sobre o tema:
[...] a locução excesso exculpante define bem a matéria que se abriga sob sua área de abrangência. Trata-se da ocorrência de um excesso, na reação defensiva, que não é, por suas peculiaridades, reprovável, ou melhor, merecedor de apenação. Não se cuida de excesso culposo porque, neste, o excesso deriva da falta do dever objetivo de cuidado enquanto que, naquele, há um excesso resultante de medo, surpresa ou de perturbação de ânimo. É evidente que o excesso exculpante pressupõe uma agressão real, atual ou iminente, e injusta, isto é, com todas as características de uma ação ofensiva. A resposta deve no entanto, ser havida como excessiva e tal excesso não é devido a uma postura dolosa ou culposa mas a uma atitude emocional do agredido.[37]
Aqui é o caso da exculpação por excesso quando o agente não consegue controlar seus atos, seja por fatores emocionais, psicológicos, levando em conta que houve uma perturbação do ânimo e que no momento da ação agiu com discernimento impróprio e imoderado.
A jurisprudência segue este entendimento, reconhecendo o excesso exculpante de legítima defesa, por inexigibilidade de conduta diversa:
APELAÇÃO. JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA. EXCESSO CULPOSO OU DOLOSO. EXCESSO EXCULPANTE. Reconhecida pelo Júri a ocorrência do excesso no exercício da legítima defesa e, negado que tal tenha sido doloso ou culposo, conclui tratar-se de excesso inevitável, escusável, portanto, impunível, porque exculpante, restando o agente absolvido pela legítima defesa inicialmente reconhecida. (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº 20010550057952. Rel. Desembargador Everards Mota e Matos, 2003).[38]
c) Legítima defesa provocada: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (art. 25, CP). Desta forma, em uma situação na qual provoca-se a agressão, com insultos, ofensas ou desafios, a jurisprudência entende que não há legitimidade para uma reação de defesa, e que o agente provocado deve ser punido.
Mas, a doutrina questiona este entendimento dizendo que, “caso o provocador possa desviar a ação de defesa do agredido, não há exculpação; se isto for impossível, o provocador não será punido por sua reação, pela inexigibilidade de conduta diversa diante da agressão do provocado.”[39]
Segundo os ensinamentos de Santos:
[...] se o provocador pode desviar a ação de defesa do agredido (por exemplo, fugindo do local), não há exculpação; se o provocador não pode desviar a ação de defesa provocada, então seria possível admitir a exculpação do agressor por ações inevitáveis de defesa, porque o Estado não pode exigir de ninguém a renúncia ao direito de viver, nem criar situações sem saída, em que as alternativas são ou deixar-se matar ou sofrer pena rigorosa.[40]
d) Cláusula de consciência: conforme assevera o mesmo autor:
Assim, o fato de consciência constitui a experiência existencial de um sentimento interior de obrigação incondicional, cujo conteúdo não pode ser valorado como certo ou errado pelo juiz, que deve verificar, exclusivamente, a correspondência entre decisão exterior e mandamentos morais da personalidade.[41]
Nos termos do art. 5º, VI, da CF, é garantida a liberdade de crença e de consciência. Essa liberdade possui limites, não devendo-se afrontar outros direitos fundamentais individuais ou coletivos.
e) Conflito de deveres: configura-se quando há um conflito entre deveres jurídicos e ordens legítimas da mesma natureza. Para melhor explicar essa excludente vejamos um exemplo: chegam ao hospital, ao mesmo tempo, dois doentes que precisam de tratamento com um determinado aparelho, porém só existe um único aparelho destinado a salvar a vida de um dos pacientes, assim é evidente que só um deles pode ser submetido ao tratamento; conforme o art. 36 do Código Penal, e sendo perigo idêntico para ambos os doentes, o comportamento do médico que ministrar o tratamento somente para um deles e deixar o outro morrer será lícito.
f) Desobediência civil: é um fato que objetiva mudar o ordenamento, que tende a ser mais construtor do que destruidor. Esta ação ocorre, logicamente, em última instância.
Nessa hipótese, embora muitas vezes o agente pratique ato típico e ilícito, o mesmo não deverá ser punido pela falta de interesse do Estado na responsabilização do indivíduo. Nos dizeres de Santos:
[...] a exculpação se baseia na existência objetiva de injusto mínimo, e na existência subjetiva de motivação pública ou coletiva relevante, ou, alternativamente, na desnecessidade de punição, porque os autores não são criminosos – portanto, a pena não pode ser retributiva e, além disso, a solução de conflitos sociais não pode ser obtida pelas funções de prevenção especial e geral atribuídas à pena criminal.[42]
O cidadão tem o poder de participar da criação e modificação das leis, no que tange ao seu interesse, assim conclui-se que a sociedade detém a soberania popular.
4.2 DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA
Neste capítulo serão analisadas várias considerações de doutrinadores renomados em relação a tese da inexigibilidade de conduta diversa. Alguns favoráveis outros contrários à tese.
Muitos autores criticaram a matéria alegando que os alemães criaram essa dirimente porque o Código Penal da época não acompanhara as mudanças sociais, mas ai surgem-se as perguntas: será que o nosso Código atual é imune a lacunas? Será que os legisladores conseguem acompanhar todas as novas situações advindas de uma sociedade moderna? Veremos nos tópicos a seguir as respostas para tais questionamentos.
4.2.1 Corrente Contrária
Hungria é contra a tese no que diz respeito aos perigos a que se exporia a lei penal. O autor diz que seria possível, em relação ao arbítrio dos juízes e sem apoio na norma positiva, “criarem causas de excepcional licitude ou não culpabilidade penal”.[43]
Fragoso também não admite a possibilidade de adoção da inexigibilidade de conduta diversa como norma supralegal, pois diz que resultaria no “abandono de todo critério objetivo para exclusão da reprovabilidade pessoal”.[44]
Mirabete, por sua, vez, ao rechaçar a referida tese, diz que “nosso Código não comtempla a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade”[45], além de afirmar que,
No tribunal de Justiça de São Paulo já se tem decidido que o sistema penal vigente no país somente admite a inexigibilidade de conduta diversa como causa excludente de culpabilidade quando expressamente prevista (como na coação moral irresistível).[46]
Pierangeli também é contrário à tese, afirmando a desnecessidade de uma eximente autônoma para excluir a culpabilidade, qual seja, a inexigibilidade de outra conduta. Entretanto, ele admite o estado de necessidade exculpante.[47]
O primórdio de argumentação da corrente contrária se baseia no medo de alastramento da impunidade, trazendo insegurança jurídica, tendo em vista as amplas possibilidades de absolvição, que poderiam se estender, na visão deles, a crimes de extrema gravidade.
Esse pensamento da insegurança jurídica é relacionado com a forma de julgar ou fundamentar de muitos juristas, que acabariam criando, através de seus amplos poderes (poderes supralegais) uma gama de excludentes de culpabilidade, para vários agentes.
Ou, nas palavras de Jescheck, apud Mirabete:
[...] necessário é que no âmbito da culpabilidade sejam previstos expressamente os requisitos fixados para as dirimentes e que uma causa supralegal de exclusão pela inexigibilidade de conduta diversa implicaria o enfraquecimento da eficácia da prevenção geral do Direito penal e conduziria a uma desigualdade na sua aplicação.[48]
Todavia, tais argumento não merecem acolhida.
4.2.2 Corrente Favorável
Aníbal Bruno, autor favorável ao instituto da inexigibilidade, defende em sua obra de 1967, que referido instituto é elemento essencial da culpabilidade e que é necessário que seja exigível do homem normal condições normais, para então agir conforme o direito.[49]
João Mendes Campos trata a inexigibilidade como “causa geral e supralegal de exclusão da culpabilidade”[50], para ele é admissível a exculpação por essa tese.
Já Djalma Martins da Costa defende a adoção da tese com o caráter supralegal de excluir a culpabilidade, bem como a antijuridicidade, alegando que as causas excludentes legais são hipóteses taxativas da inexigibilidade e que estão localizadas acima do sistema, mas não fora dele.[51]
Mesmo muitos doutrinadores admitindo a tese da inexigibilidade de conduta diversa, os tribunais não estão aceitando tal aplicação nos casos concretos.
Porém, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, Djalma Martins, diz que existe a necessidade da aplicação em situações adversas ou, como ele mesmo diz, em situação de “verdadeira encruzilhada”[52]. Assim, tais atos não merecem reprovação social.
José Frederico Marques também se coloca a favor da tese defendida neste trabalho, para ele é uma causa geral de exclusão da culpabilidade, devendo ser aplicada tanto em casos culposos como dolosos. Alega também que não admitir essa tese, é como afirmar que o direito penal não tem lacunas e que não retrata a realidade. Ademais, para Marques, essa exclusão de culpabilidade não deve ser admitida sempre que o fato ocorrer “sob pressão anormal de acontecimentos e circunstâncias que excluem o caráter reprovável dessa mesma conduta”.[53]
Toledo vê a inexigibilidade de conduta diversa como um princípio do direito penal, sendo “a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade”[54]. Neste mesmo diapasão, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, relaciona as causas supralegais com a responsabilização individual, partindo para análise do dispositivo legal.[55]
Para Rogério Greco, a exigibilidade se estende tanto a imputabilidade quanto a consciência da ilicitude, dizendo ainda que o poder agir ou não conforme o direito não deve obedecer a padrões, pois varia de pessoa a pessoa. Assim, é importante observar as particularidades de cada caso e indivíduo, para então aferir a culpabilidade.[56]
“As pessoas são diferentes umas das outras. Algumas inteligentes, outras com capacidade limitada; algumas abastadas, outras miseráveis; algumas instruídas, outras incapazes de copiar seu próprio nome.”[57]
Heitor Costa Junior, outro doutrinador favorável ao tema, diz que “em consequência, a ação daquele que não tem condições de atender ao cuidado necessário será atípica.”[58]
Ainda afirma que, na mesma linha de pensamento de Greco, a aplicação de tal excludente supralegal depende das condições fáticas e da capacidade do agente.[59]
Juarez Tavares sobre a matéria, discute que o princípio da inexigibilidade de conduta diversa funciona como um “critério regulador da capacidade de motivação em face da lesão aos deveres de cuidado”.[60]
Por sua vez, Roxin é favorável em virtude da desnecessidade de aplicação da pena e diz que considera a matéria não só como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, mas sim de responsabilidade. [61]
Começando com o mais simples: se alguém – por qualquer razão que seja – não podia evitar o injusto típico por ele realizado, está excluída a punição desde qualquer teoria da pena imaginável: nada se poderá retribuir a uma culpabilidade inexistente; não há sentido em querer intimidar a coletividade para que não provoque consequências indesejadas; e dispensar um tratamento especial-preventivo a uma pessoa cuja conduta não lhe pode ser reprovada é ou desnecessário ou, no caso dos doentes mentais, inalcançável por meio da pena. [62]
Ademais,
Ressalta-se que não há um padrão previamente estabelecido que permita caracterizar, se naquela determinada situação era exigível do agente um comportamento conforme o Direito. A possibilidade de agir de acordo com o ordenamento jurídico é verificada caso a caso, não existindo um padrão de culpabilidade. Assim, são as peculiares condições humanas que definirão a dirigibilidade normativa do agente, orientando o aplicador da norma se a culpabilidade deverá ou não ser excluída.[63]
A maioria dos autores que vão contra a tese, se baseiam na segurança jurídica, conforme já dito, dizendo que o Direito Penal necessita dela para então atuar. Ora, senão vejamos, essa dirimente de exclusão não causa em si a insegurança jurídica, somente mostra as falhas que existe no sistema, desmascara as lacunas da lei. Afinal, do que adiantaria continuar com a ilusória segurança jurídica se causar injustiças no meio social, condenando pessoas erroneamente e aplicando penas arbitrárias? Contra a alegação da insegurança jurídica, doutrina Bettiol:
[...] isso não tem procedência porque a certeza jurídica, quando se coloca como obstáculo à livre irrupção de uma exigência psicológica e ética no setor das escusantes, quando se entrepõe entre o réu e sua liberdade, torna-se ela também um princípio formal e obstruidor. A certeza é o momento supremo do direito, e do Direito Penal em particular, mas não deve constituir um obstáculo ao processo de individualização e de humanização da culpa penal. A certeza não é critério formalista que possa ser invocado para enredar a vida, mas deve servir para dar um sentido e um significado à ação, a fim de preservá-la de qualquer perigo.[64]
No mais, Velo, assim como outros doutrinadores, diz que a impossibilidade de agir licitamente demonstra “um aspecto da consciência social”[65]. Ele também adota o instituto da inexigibilidade como um princípio geral de Direito Penal e diz que deve ser aplicado nas lacunas da lei.[66]
Seguindo a mesma linha, dispõe Toledo:
A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui um verdadeiro princípio de Direito Penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito.[67]
Welzel, importante jurista e filósofo alemão do século XX, desconhece a inexigibilidade de outra conduta como causa excludente da culpabilidade, porém, afirma que o não poder agir de outro modo constitui causa fática de exculpação, reconhecendo o estado de necessidade exculpante.[68]
Portanto, verifica-se que a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade está amplamente amparada pela doutrina brasileira e estrangeira, sendo que os autores que se opõem a adoção do instituto no direito penal brasileiro, não apresentam argumentos fortes que a justifiquem.
4.3 EXEMPLOS DE CASOS REAIS
Um caso que merece destaque é o do habeas corpus nº 4.399, julgado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, dos membros do Movimento dos Sem-Terra, entre eles o líder José Rainha Júnior, em março de 1996.
Os réus foram acusados de esbulho possessório e formação de quadrilha. Porém, este não foi o entendimento dos julgadores, assim como demonstra o voto do ministro Cernicchiaro ao analisar a questão:
Invoque-se a Constituição da República, especificamente, o Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – cujo Capítulo II registra como programa a ser cumprido – a Reforma Agrária (art. 184 usque 191). Evidente, essa norma tem destinatário titular do direito (pelo menos – interesse) à concretização da mencionada reforma. A demora, (justificada ou injustificada) da implantação gera reações, nem sempre cativas à extensão da norma jurídica. A conduta do agente do esbulho possessório é substancialmente distinta da conduta da pessoa com interesse na reforma agrária. Atualmente, a culpabilidade é cada vez mais invocada na Teoria Geral do Delito. A sua intensidade pode, inclusive, impedir a caracterização da infração penal. No esbulho possessório, o agente dolosamente, investe contra a propriedade alheia, a fim de usufruir um de seus atributos (uso), ou alterar os limites para enriquecimento sem justa causa. No caso dos autos, ao contrário, diviso pressão social para a caracterização de um direito (pelo menos – interesse). [...] A ordem pública precisa ser recebida no contexto histórico e também assim o modo de atuação das pessoas. É certo, evidente, se a lei (formalmente) é igual para todos, nem todos são iguais perante a lei. Sabe-se, as chamadas instâncias formais de controle da criminalidade atuam diferentemente consoante a posição política, econômica e social da pessoa. As chamadas classes sociais menos favorecidas não têm acesso político ao governo, a fim de conseguir preferência na implantação de programa posto na Constituição da República. Quadrilha ou bando, ao teor do disposto no art. 288, Código Penal é delito que visa a prática de crimes. Ordem pública, clamor público, precisam ser recebidos com cautela. Podem ser gerados artificialmente, para dar idéia de inquietação na sociedade. Clamor público, ademais, não se confunde com reações (às vezes organizadas) de proprietários de áreas que possam vir a ser desapropriadas para a reforma agrária. [...] Não vislumbro, substancialmente – não obstante o aspecto formal do respeitável despacho de prisão preventiva -, no caso concreto, demonstração de existência de crime de quadrilha ou bando, ou seja, infração penal em que se reúnem três ou mais pessoas com a finalidade de cometer crimes. Pode haver, do ponto de vista formal, diante do direito posto, insubordinação: materialmente, entretanto, a ideologia da conduta não se dirige a perturbar por perturbar propriedade. Há sentido, finalidade diferente. Revela sentido amplo, socialmente de maior grandeza, qual seja, a implantação da reforma agrária. [...].[69]
Pelo voto do ministro, é possível constatar que, como os membros do MST não conseguiram atingir seu objetivo, a reforma agrária, pelos meios políticos normais, eles utilizaram de ações mais expressivas, como manifestações populares, invasão de propriedades e bloqueio de estradas, como forma de atrair a atenção do governo para a causa.
Tais agentes não são criminosos, pois agiram sob a égide da desobediência civil, amparados por uma excludente supralegal da culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa.
Outro caso, bastante atual, é de um oficial de justiça que foi preso por porte ilegal de arma de fogo, conforme a ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. É devido o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, como causa supra legal de exclusão da culpabilidade, se o agente estava sujeito a constrangimento insuperável. 2. Não é exigível conduta diversa ao oficial de justiça flagrado portando arma de fogo, durante o exercício de sua função, em local de extrema periculosidade, havendo provas de que, tempos atrás, o mesmo recebeu, por ordem do Juiz de Direito da Comarca, a referida arma, em razão dos riscos a que vive submetido, existindo inclusive acordo verbal entre o Juízo e o Comando da Polícia locais para que os oficiais de justiça da região não fossem abordados quando do cumprimento de suas funções. 3. Dado provimento ao recurso. (TJ-MG - APR: 10582130006544001 MG, Relator: Marcílio Eustáquio Santos, Data de Julgamento: 14/05/2015, Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 22/05/2015).[70]
Neste caso, ele foi preso em flagrante pelo uso do revólver, pois não tinha porte nem autorização para tal. Porém, conforme averiguado nos autos e nas provas, Gumercindo fora absolvido pela tese da inexigibilidade de conduta diversa, visto que portava a arma, na qual tinha recebido mediante acordo de um Juiz de Direito da vara na qual atuava, porque tinha recebido diversas ameaças em razão das apreensões que fazia. Deste modo, inexigível do agente conduta diferente, por estar em risco sua própria vida.
5 CONCLUSÃO
De tudo que foi analisado no presente trabalho, finalmente pode-se concluir a logística aqui apresentada, na qual defende a matéria da inexigibilidade de conduta diversa como pressuposto essencial à caracterização da correta justiça social. De ter garantido direitos fundamentais e individuais, tanto violados pelo meio social e cultural ou pela anormalidade de situações do cotidiano, quanto por influência de fatores psicológicos. O que deseja-se assim afirmar, é que todo ser humano tem direito à analise isolada de suas ações no direito penal, levando-se em conta tudo o que o influenciou para que tal fato ocorresse ou para que ele agisse contrário a lei.
No entanto, é necessário dizer que não podemos admitir toda e qualquer alegação de anormalidade como uma forma de exculpação, mas é preciso ter ponderação e equilíbrio ao analisar as provas, ou seja, administrar os meios legais e supralegais para que cada julgamento ocorra de forma honesta, em busca do princípio mais importante para o Direito, o da verdade real.
No mais, acerca da discussão pelos doutrinadores sobre o tema, vemos que as argumentações não prosperam, sendo necessário para suprir as lacunas do direito penal brasileiro a adoção da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Podemos concluir então que nenhuma lei esgota a totalidade do direito, e que o ordenamento jurídico legal necessita ser ungido e acalantado por normas supralegais que incorporem os anseios e as mudanças sociais, pois o mero formalismo deixa de lado inúmeras questões da vida prática do direito.
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[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana – FACNOPAR. Orientação a cargo da Profª Mª Fernanda Ferreira Schimit Feguri.
[2] Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana – FACNOPAR. Turma do ano de 2011. julianabonilhadasilva@gmail.com.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal: parte geral. 7. Ed. São Paulo: RT, 2007. P. 216.
[4] FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. São Paulo: Ícone, 1994. P. 131.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 300.
[6] VADE MECUM. Código penal. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 513.
[7] VADE MECUM, loc. Cit.
[8] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 197.
[9] CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333.
[10] PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de direito penal: parte geral. 8. Ed. São Paulo: RT, 2008, p. 377.
[11] CAPEZ, op. Cit., p. 334.
[12] VADE MECUM. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 89-980 passim.
[13] CAPEZ, op. Cit., p. 337.
[14] VADE MECUM, op. Cit., p. 513.
[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 348.
[16] GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 10. Ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2008, p. 416.
[17] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 215.
[18] VADE MECUM. Código penal. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 513.
[19] PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de direito penal: parte geral. 8. Ed. São Paulo: RT, 2008, p. 381.
[20] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral; parte especial. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 315.
[21] PRADO, loc. Cit.
[22] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 24. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 205.
[23] SCHMIDT, Andrei Zenkner. O princípio da legalidade penal no estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 135.
[24] VADE MECUM. Constituição Federal e Código penal. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 67-510 passim.
[25] ASÚA, 1950 apud YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da inexigibilidade de conduta diversa. São Paulo: Del Rey, 2000, p. 43.
[26] MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2014. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/29960/a-inexigibilidade-de-conduta-diversa-como-causa-supralegal-de-exclus...; Acesso em: 11 março 2015.
[27] BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vítima. São Paulo: Leud, 1998, p. 103.
[28] OLIVEIRA FILHO, Mario de. Temas atuais de advocacia criminal. São Paulo: Etna, 1996, p. 190.
[29] VADE MECUM. Código penal. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 601.
[30] BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Campinas: Red Livros, 2000, p. 139-140.
[31] AMERICANO, 1962 apud MASSON, Cléber R. Direito penal esquematizado – parte geral. São Paulo: Método, 2008. P. 534.
[32] Ibidem, p. 534-535.
[33] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 78.
[34] MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2014. Disponível em: Acesso em: 11 março 2015.
[35] MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2014. Disponível em: Acesso em: 11 março 2015.
[36] CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 299.
[37] FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação. 8. Ed. São Paulo: RT, 2007, p. 305.
[38] BRASIL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Criminal nº 20010550057952. Disponível em: Acesso em: 20 abril 2015.
[39] MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2014. Disponível em: Acesso em: 11 março 2015.
[40] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 262.
[41] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 260.
[42] Ibidem, p. 263.
[43] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949, p.77.
[44] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: forense, 2003, p. 260.
[45] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.198-199.
[46] MIRABETE, loc. Cit.
[47] PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 295.
[48] JESCHECK, 1994 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 191.
[49] BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 102.
[50] CAMPOS, João Mendes. A Inexigibilidade de outra conduta no júri:Doutrina e Jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 20-21.
[51] COSTA, Djalma Martins da. Inexigibilidade de conduta diversa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 19.
[52] Ibidem, p. 69.
[53] MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1965, p.227.
[54] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p.328.
[55] Ibidem, p. 328.
[56] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio. Niterói: Impetus, 2005, p. 465.
[57] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio. Niterói: Impetus, 2005, p.465.
[58] COSTA JUNIOR, Heitor. Teoria dos delitos culposos. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1988. P. 101.
[59] COSTA JUNIOR, loc. Cit.
[60] TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. Rio de janeiro: Lumen Júris, 2003, p.406.
[61] ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 69.
[62] ROXIN, loc. Cit..
[63] MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2014. Disponível em: Acesso em: 11 março 2015.
[64] BETTIOL, 1966 apud NAHUM, Marco Antônio R. Inexigibilidade de conduta diversa: causa supralegal excludente da culpabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 118.
[65] VELO, Joe Tenyson. Juízo de censura penal: a inexigibilidade de conduta diversa. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. P. 88.
[66] VELO, loc. Cit.
[67] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 194.
[68] WELZEL, Hans. Direito penal. Campinas: Romana, 2003, p. 411.
[69] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº. 4.399, Rel. Ministro Willian Patterson, 1996. Disponível em: < http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STJ/IT/HC_4399_SP_1249738572168.pdf?Signature=%2F9xd1prSpZ47s...; Acesso em: 14 abril 2015. P. 6-8.
[70] BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 10582130006544001. Rel. Desembargador Marcílio Eustáquio Santos. Disponível em: Acesso em: 23 maio 2015.
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Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante. Teoria unitária e teoria diferenciada
O estado de necessidade está incluído, no Código penal, entre as denominadas causas de justificação. Exclui, assim, à luz dos art. 23, I e 24, a antijuricidade do fato. É o estado de necessidade justificante.
Outrossim, não obstante, em doutrina, se fala também em uma espécie de estado de necessidade que exclui a culpabilidade, cabe examinar-se a distinção entre ambos e indagar-se em que medida ou dentre de que limites se poderiam acolher, entre nós, o estado de necessidade exculpante.
Para melhor compreensão, mister se faz ressaltar o Código Alemão, mencionado pelos doutrinadores Francisco de Assis Toledo (1994, p177) e Damásio E. De Jesus (1997, p.365), onde o revogado § 54 do Código Penal alemão cuidava de algumas hipóteses muito restritas de estado de necessidade (ato não culposo, necessário, praticado para salvar de perigo atual o corpo ou a vida do próprio agente ou de um paciente). Isso levou a doutrina e a jurisprudência daquele país, diante de casos concretos insolúveis perante o dispositivo mencionado, a construir, sob a influência de idéias, o estado de necessidade justificante “supralegal”, apoiando no princípio da ponderação de bens e deveres, pelo qual, diante de perigo iminente, inevitável, não provocado, o indivíduo, para salvar um bem de valor superior, pode sacrificar o de valor inferior, desde que, seja a única forma de salvação do primeiro. Faz-se a ponderação dos bens e deveres em conflito o que for reputado de menor valor pode ser licitamente sacrificado para proteção do de maior valor.
Com efeito, a jurisprudência alemã passou a admitir, com ou sem lei, a exclusão da antijuricidade em determinadas situações de estado de necessidade e, com isso, consagrou a denominada “teoria diferenciadora”, que acolhia as duas formas básicas do estado de necessidade, mais tarde incorporadas ao texto ora em vigor do StGB (§ 34 e 35, isto é, o estado de necessidade justificante (excludente da ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (excludente da culpabilidade). O primeiro se configura quando o agente comete o ato para afastar, de si ou de outrem, perigo inevitável para a um outro bem jurídico, se, na ponderação dos interesses conflitantes, o interesse protegido sobrepujar sensivelmente aquele que foi sacrificado pelo ato necessário. O segundo se verifica quando o agente realiza uma ação ilícita, para afastar de si, de um parente ou de uma pessoa que lhe é próxima, perigo não-evitável, por outro meio, para o corpo, para a vida ou para a liberdade, excluída a hipótese em que o mesmo agente esteja obrigado, por uma especial relação jurídica, a suportar tal perigo e também a de que este último tenha sido por ele provocado.
Assim, no direito alemão, como bem ensina Francisco de Assis Toledo (1994), o princípio da ponderação de bens e deveres está presente no estado de necessidade justificante e o esgota. Como, entretanto, esse princípio, portador de um critério puramente objetivo – a diferença de valor entre os bens e deveres em conflito – não consegue fundamentar a impunibilidade do fato necessário, quando esses bens e deveres sejam de igual valor (vida contra vida) ou quando o bem sacrificado seja maior do que o protegido, reservou-se para estas últimas situações, que traduzem verdadeiros comportamentos ilícitos, a possibilidade de incidência de uma excludente da culpabilidade – a do estado de necessidade exculpante – se e quando as circunstâncias do ato revelam um quadro de inexigibilidade de outra conduta.
Portanto, isto significa que, com a teoria diferenciadora, algumas vezes o estado de necessidade exclui a ilicitude (casos de sacrifício de valores menores para salvar valores maiores), outras vezes exclui a culpa (casos de sacrifício de valores iguais aos que se salvam, ou mesmo de valores maiores, quando ao agente não era exigível outro comportamento).
O Código Penal Brasileiro de 1969, a exemplo das legislações modernas, adotava a teoria diferenciadora, mas com a reforma penal de 1984, passou a adotar a teoria Unitária, onde acolhe o estado de necessidade, sem restrições casuísticas da legislação alemã, como causa de justificação e tão-só, não estabelecendo expressamente, como menciona César Roberto Bitencourt (200), a ponderação de bens, como também não define a natura dos bens em conflito ou a condição dos titulares dos respectivos bens.
Outrossim, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangell (1999, p.589) ensinam que:
(...) Para evitar contradições decorrentes da irracionalidade, impõe-se uma distinção doutrinária entre hipóteses de estado de necessidade que se deve considerar como justificação, e outras que só se pode considerar como causa de ausência de culpabilidade. Esta distinção de modo algum viola o texto legal porque, em ambos os casos, devem estar reunidos os requisitos do art. 24 do Código Penal, só que a causa com que se exime a responsabilidade penal, num caso será de justificação (não haverá injusto), e, em outro, haverá injusto, mas o agente não será penalmente responsável em razão da ausência de culpabilidade.
Mas, em contrapartida ao pensamento dos doutrinadores supra mencionado, Fernando Capez (1998, p.225), discorre que o estado de necessidade jamais atuará como causa supralegal ou de exclusão da culpabilidade, pois tal interpretação aflora o art. 24 § 2º, do Código Penal, que dispõe, quando o sacrifício não for razoável, o agente deverá responder pelo crime, tendo apenas direito a uma redução da pena. Ficando assim, caracterizado o fato e ilícito, e, além disso, o agente for considerado responsável por ele.
Finalmente, não houve nítida separação entre o estado de necessidade, como excludente da ilicitude, e o estado de necessidade, como excludente da culpabilidade. Assim na mesma linha de pensamento de José Manuel Gomes Benitez (1984, p.174). Na primeira hipótese, ficaria afastada a ilicitude porque o mal causado, pela sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado. Na segunda hipótese, por existir um conflito entre bens de igual valor, “o agente atua num estado de alteração motivacional que faz com que não se possa dele exigir uma conduta distinta da que realizou, lesionando um bem jurídico, esta inexigibilidade de conduta diversa é a base da inexistência de uma censura ao agente e, portanto, da culpabilidade. Em tais casos, o fato é típico e antijurídico, quer dizer, objetivamente não está valorizado de forma positiva pelo Direito, ainda que, por não ser censurável, o agente deva ficar impune”.
Bibliografia:
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
JESUS, Damásio E. De. Direito Penal – Parte Geral. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1997. Vol. 1.
ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. V.1.
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