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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Ação em sentido amplo e estrito

 Resumo: Quando estudamos a ação e processo civil, observamos que quase toda doutrina inicia o assunto nos remetendo ao chamado direito de ação, qualificando-o como público e subjetivo. Certamente, o direito de ação é público, porquanto atribuído indistintamente a todas as pessoas, inclusive aos entes despersonalizados (condomínio, espólio massa falida etc.). É subjetivo na medida em que se trata de um poder que o ordenamento jurídico concede a uma pessoa para a satisfação de seu interesse próprio. Válido ressaltar, contudo, que todo o raciocínio jurídico que envolve o estudo do direito de ação advém do princípio constitucional do acesso à justiça, encartado no artigo 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, o que nos possibilita concluir que o direito de ação, além de público e subjetivo é, antes de tudo, fundamental. Portanto, o legislador ordinário não poderá editar nenhum ato normativo que venha subtrair da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Daí também se pode concluir que esse direito fundamental de ação não pode se confundir com aquela ação tratada em nosso Código de Processo Civil, a qual inclusive requer o preenchimento de algumas condições (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam), bem como detém elementos que a identificam (partes, causa de pedir e pedido). É justamente esse o ponto de partida do presente trabalho que, embora sucinto, percorrerá pela distinção entre a garantia fundamental de petição e a ação em nível processual para que, então, passemos a enfrentar questões essenciais como, por exemplo, o momento exato da existência da ação no processo; a possibilidade de haver processo judicial sem ação e vice e versa; a desvinculação da ação com o direito material que está sendo postulado, dentre outras.


INTRODUÇÃO Para a compreensão do fenômeno processual, necessário relembrar que ele se aloja em três grandes institutos: jurisdição, processo e ação. Os conflitos de interesses não podem, pelo menos em regra, ser solucionados pelas próprias forças das partes envolvidas. Diz-se em regra porquanto nosso ordenamento jurídico admite, excepcionalmente, a utilização Revista Intellectus Ano VII | Nº. 18 90 ISSN 1679-8902 da chamada autotutela ou autodefesa, situação em que a própria pessoa reage em busca de seu direito, por exemplo, proteção da posse e legítima defesa. Afora as hipóteses previstas em lei, o exercício da autotuela pode configurar o crime denominado exercício arbitrário das próprias razões, cuja pena é de quinze dias a um mês de detenção ou multa, além da pena correspondente à violência (artigo 345 do Código Penal). Se a autodefesa é a exceção, a regra é a jurisdição, donde decorre o processo e, dependendo do caso, a ação. A jurisdição, portanto, apresenta-se com uma das funções do Estado consistente em seu poder/dever de solucionar, por meio dos órgãos do Poder Judiciário, as lides estabelecidas no âmbito extrajudicial. Vale dizer, aquele que se sentir lesado ou, ao menos, ameaçado em seu direito poderá provocar o Estado para que ele, exercendo a jurisdição, aplique definitivamente a lei ao caso concreto. Nesse contexto é que deve ser analisado o presente tema, pois assim conseguiremos distinguir as duas faces existentes da terminologia ação, cujas essências, embora diversas, estão intimamente ligadas pelos mesmos fundamentos: a jurisdição e o acesso à justiça. Ação é uma palavra equívoca no ordenamento, isto é, possui mais de um significado. Desse modo, a doutrina separou a chamada ação em sentido amplo (ou em nível constitucional) e ação em sentido estrito (ou em nível processual). Em sentido amplo, entende-se por ação o direito ao acesso à Justiça, que decorre do art. 5.º, inc. XXXV, da Constituição Federal, onde nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. É exercida através do direito constitucional de demandar. A ação em sentido estrito é aquela que está vinculada ao preenchimento de condições processuais para que se torne apta à satisfação da pretensão do autor. É exercida através do chamado direito de ação, pelo qual centraremos nossa atenção. Revista Intellectus Ano VII | Nº. 18 ISSN 1679-8902 91 Muito se discutiu a respeito do momento da formação da ação em sentido estrito, ou seja, os doutrinadores buscavam o exato instante em que se poderia dizer que houve efetivamente uma ação. Dentre várias, destacaremos resumidamente três grandes teorias: concretista, abstratista pura e eclética. A teoria concretista entendeu que existiria ação quando, ao final, houvesse uma resposta judicial de procedência. Vale dizer, só há ação para quem tem razão. A teoria abstratista pura, por sua vez, ampliou esse entendimento, afirmando que seja qual fosse a resposta do Judiciário (procedência ou improcedência), haveria ação. A teoria eclética, cujo principal defensor foi ENRICO TULLIO LIEBMAN e adotada pelo Código de Processo Civil brasileiro, entendeu que existe ação quando, ao final, houver uma resposta de mérito proferida pelo Poder Judiciário. Desse modo, é tecnicamente equivocado dizer que o juiz extinguiu a ação sem julgamento de mérito. O juiz, na verdade, não extinguiu a ação, mas sim o processo, pois a ação sequer existiu em decorrência da ausência de apreciação meritória. Diante dessa teoria, podemos extrair duas conclusões fundamentais: (i) não há ação sem processo; (ii) porém pode haver processo sem ação. Vale frisar que resposta não mérito não se exaure nas sentenças de mérito, pois se assim fosse não haveria ação no processo de execução de título extrajudicial, visto que nele não existe, em regra, sentença de mérito, mas sim atos satisfativos. O mestre LIEBMAN explicou esse tema dizendo que resposta de mérito é gênero dos quais sentenças de mérito e atos satisfativos são espécies. A título de curiosidade, pode-se dizer que, tecnicamente, haverá sentença de mérito na execução quando, por exemplo, o juiz, de ofício, Revista Intellectus Ano VII | Nº. 18 92 ISSN 1679-8902 reconhecer a prescrição no processo de execução (Súmula 150 do STF)11 , extinguindo-o nos termos do artigo 269, inc. IV, do Código de processo Civil. O passo adiante é saber quando uma ação merecerá uma resposta de mérito. Para que isso ocorra será necessário que ela preencha determinadas condições, sob pena de ser considerado seu autor carecedor de ação. Assim, embora todos tenham acesso à justiça, nem todos têm direito de receber uma resposta de mérito do juiz à pretensão formulada. Exige-se, pois, que a pretensão não seja contrária ao ordenamento jurídico, que a pessoa que formule e em face de quem ela é formulada seja parte legítima e que haja interesse de agir. Sem o preenchimento dessas condições, não existe ação, pois não haverá resposta de mérito pelo juiz. Grande discussão doutrinária grassa a respeito do momento em que o juiz deve verificar a existência ou não das condições da ação. Quanto a esse tema, surgiram duas grandes correntes. A primeira entende que a análise do preenchimento das condições da ação deve se dar em abstrato, isto é, pelo que consta na inicial. Assim, tudo o que for provado ao longo do processo e durante a instrução será considerado matéria de mérito. Por exemplo, se for ajuizada uma ação de cobrança de uma dívida, aduzindo na inicial que ela está fundada em prestação de serviço, estarão preenchidas as condições da ação, ainda que se prove que, na verdade, a dívida foi oriunda de jogo de azar.12 Para essa corrente, o juiz deverá julgar improcedente o pedido, e não julgar pela carência por falta de possibilidade jurídica do pedido. É o que defende a teoria da asserção. Por outro lado, tem-se a teoria do exame em concreto, onde o juiz vai analisar as condições da ação não apenas pelo que consta em abstrato da inicial, mas também por tudo aquilo que ficar demonstrado ao longo do 11 “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” Ademais, não podemos olvidar que o artigo 194 do Código Civil foi revogado pela Lei 11.280/2006. 12 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. V.1, São Paulo: Saraiva, 2004. p. 87. Revista Intellectus Ano VII | Nº. 18 ISSN 1679-8902 93 processo. Assim, aproveitando o exemplo formulado acima, o julgador irá decidir pela extinção do processo sem julgamento do mérito. A consequência em adotarmos uma ou outra teoria é fundamental, justamente pela ocorrência ou não da coisa julga material, qualidade esta inerente apenas às sentenças de mérito. Por fim, resta frisar que o exame das condições da ação é matéria de interesse público, devendo o magistrado arguir de ofício uma vez verificada a falta de uma delas, ou o próprio réu poderá alegar em preliminares de contestação ou qualquer outro momento processual, visto que não se sujeita à preclusão, constituindo-se uma das exceções do princípio da eventualidade. REFERÊNCIAS GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. V.1, São Paulo: Saraiva, 2004. 

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