Introdução
Este trabalho acadêmico tem o objetivo de explicar, mediante comparação doutrinária e jurisprudencial, quem são considerados CONSUMIDORES para aplicação do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com as teorias maximalistas e finalistas.
Assim como a doutrina, a jurisprudência é fonte determinante na resolução da discussões sobre a abrangência da aplicação da Lei Consumerista e sobre quem pode ser considerado consumidor.
A reflexão se faz necessária para compreender a extensão da interpretação do termo “destinatário final” utilizado pela lei para definir o sujeito que adquire produto ou serviço.
Necessidade da tutela legal do consumidor
Antes de explicitarmos as teorias aqui debatidas, ou até mesmo o conceito de 'consumidor', é necessário entendermos o fundamento da norma que possibilita tais proposições.
A proteção específica do Código de Defesa do Consumidor é, sem dúvida, para o consumidor, e não para as relações negociais em geral. O primeiro indicativo, é o que se infere pela pura interpretação gramatical do título da norma em estudo.
A análise dos artigos da lei consumerista também possibilita a confirmação de tal percepção, nos exemplos:
"Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (...)". "I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;"
"Art. 5º, I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; (...) III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;"
O que a princípio pode parecer óbvio, é essencial para entendermos a classificação de 'consumidor' e o enquadramento deste dentro de uma relação de consumo.
Como visto, o consumidor é considerado parte vulnerável na relação de consumo, e por essa razão o legislador se preocupou em oferecê-lo maior proteção dentro das relações de mercado.
Nesta esteira, depreendemos que o conceito de vulnerabilidade, foi trazido como um dos requisitos para delimitação de abrangência para aplicação das garantias trazidas pela lei consumerista.
Diz-se vulnerável a pessoa que na relação jurídica figura, de forma permanente ou transitória, em pé de desvantagem em relação à outra. E o consumidor tem vulnerabilidade presumida.
A vulnerabilidade poderá se desdobrar em quatro faces: (i) informacional, (ii) técnica, (iii) jurídica/cientifica e (iv) fática ou socioeconômica.
Base constitucional do código
O Código de Defesa do consumidor surge como medida para cumprimento no disposto no Artigo 48 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórios, em total consonância com a garantia fundamental trazida pelo Inciso XXXII do Artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988.
Desta forma, o direito à proteção do consumidor é de responsabilidade do Estado “lato sensu”.
Conceito de consumidor
Inicialmente, o Artigo 2º do Código de Defesa do consumidor (lei nº 8.078/90) nos traz o conceito legal de quem é considerado consumidor:
"Art. 2º - “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”.
O termo chave para entendermos quem é consumidor é: “destinatário final”.
Atualmente há entendimento do STJ sobre quem é “Destinatário final fático” - conhecido como Teoria Finalista Mitigada - e o acesso é possível pelo: (Resp. 476.428, 3ª Turma e Resp. 660.026, 4ª Turma.).
Porém trataremos aqui as duas teorias em foco.
A) teoria finalista
Pela teoria Finalista, o destinatário final é todo aquele que utiliza o bem como consumidor final fático e econômico.
Consumidor final fático é quem adquire bem ou serviço para o seu uso pessoal; o aspecto econômico indica que o bem ou serviço adquirido não será utilizado em qualquer finalidade produtiva, tendo o seu ciclo econômico encerrado na pessoa do adquirente.
Claudia Lima Marques e Antônio Herman V. Benjamim explicam a teoria finalista definindo o conceito de “destinatário final” do art. 2º do CDC:
“O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção.” (em, “comentários ao código de Defesa do Consumidor”, 2º Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 83/84).
Para os finalistas, consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-lo à cadeia de produção.
Neste sentido, é entendimento do STJ:
Cf. O CC nº 92.519/SP - CONFLITO DE COMPÊTENCIA 2007/0290797-4, tendo como relator o Ministro Fernando Gonçalves, da 2º Seção do STJ, j. De 16.02.2009, DJe de 04.03.2009: “Conflito de competência. Sociedade empresária. Consumidor. Destinatário final econômico. Não ocorrência. Foro de eleição. Validade. Relação de consumo e hipossuficiência. Não caracterização. 1 - A jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de caracterização da pessoa jurídica como consumidora em eventual relação de consumo, devendo, portanto, ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido (REsp nº 541.867/BA). 2 - Para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida; o produto ou serviço deve ser utilizado para o atendimento de umas necessidade própria pessoal do consumidor. 3 - No caso em tela, não se verifica tal circunstância, porquanto o serviço de crédito tomado pela pessoa jurídica junto à instituição financeira decerto foi utilizado para o fomento da atividade empresarial, no desenvolvimento da atividade lucrativa, de forma que a sua circulação econômica não se encerra nas mãos da pessoa jurídica, sociedade empresária, motivo pelo qual não resta caracterizada, in casu, relação de consumo entre as partes. 4 - Cláusulas de eleição de foro legal e válida, devendo, portanto, ser respeitada, pois não há qualquer circunstância que evidencie situação de hipossuficiência da autora da demanda que possa dificultar a propositura da ação no foro eleito. 5 - Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo.”.
De tal modo, aquele que poderia ser considerado “fornecedor/produtor” pelo art. 3º do CDC, também poderia ser considerado “consumidor”, quando da relação jurídica caracterizarem-se os elementos acima mencionados.
Neste prisma, o conceito de “vulnerabilidade” cravado na lei consumerista não se aplica.
A crítica a esta definição se dá em relação ao modo de aplicação ao Código quando o consumidor é pessoa jurídica.
Embora este efetivamente seja destinatário final, acabaríamos desconsiderando o objetivo do lei consumerista, ou seja, a defesa da parte vulnerável, que se encontra em patamar de desvantagem diante das relações do mercado de consumo.
A adoção da teoria finalista supõe entendimento que despreze o princípio de defesa à parte vulnerável (art. 4º, I, CDC).
Ao cuidar da questão, José Reinaldo de Lima Lopes pondera que, o art. 2º do Código de Consumidor, ao definir consumidor como 'toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final', foi insuficiente. O que gera campo para tantas discussões.
O autor inicia:
“um elemento essencial, que no fundo é o que justifica a existência da própria disciplina da relação de consumo: a subordinação econômica do consumidor.”
(...)
“É certo que uma pessoa jurídica pode ser consumidora em relação a outra; mas tal condição depende de dois elementos que não foram adequadamente explicitados neste particular artigo do Código.”.
e continua explicitando os elementos" omitidos "pelo legislador:
“Em primeiro lugar, o fato de que os bens adquiridos devem ser bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, que haja entre fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro. Em outras palavras, o Código de Defesa do Consumidor não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil no que diz respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico. Uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do Código de Defesa do Consumidor da mesma forma que um microempresária. Este critério, cuja explicitação na lei é insuficiente, é, no entanto, o único que dá sentido a todo o texto. Sem ele, teríamos um sem sentido jurídico.”.
B) teoria maximalista
Pela teoria Maximalista, destinatário final é todo aquele consumidor que adquire o produto para o seu uso, independente de destinação econômica conferida ao mesmo.
Tal teoria confere uma interpretação abrangente ao artigo 2º do CDC, podendo o consumidor ser tanto uma pessoa física que adquire o bem para o uso pessoal, quanto uma grande indústria, que pretende conferir ao bem desdobramentos econômicos, ou seja, utilizá-lo nas suas atividades produtivas.
Com efeito, Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva ao tratar da corrente maximalista, apresenta as seguintes considerações:
“Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é, ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático).”.
Se comparada com a teoria anteriormente explicada, percebemos que a Maximalista considera consumidor aquele que adquire produto ou serviço, ainda que sejam integrados em sua cadeia produtiva.
Cláudia Lima Marques faz importantes exemplificações em sua obra sobre a amplitude da teoria maximalista:
“A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família.”.
Neste trecho percebemos que para a autora, a interpretação do Artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor deve ser para entender consumidor final, entendido como quem utiliza o produto adquirido para articulação dos seus meios de produção, seja qual for a modalidade.
Entende-se que de tal modo haveria fim à cadeia de consumo daquele (bem ou serviço adquirido), sendo que o surgimento de um novo não representa continuidade.
Ao que parece, a aquisição de produto para revenda no mercado de consumo é única hipótese que desclassificaria o sujeito da relação jurídica como consumidor para fins de aplicação da Lei aqui abordada.
O entendimento dos tribunais na aplicação desta teoria em alguns casos:
TJ-MG - 103240604667150011 MG 1.0324.06.046671-5/001 (1) (TJ-MG) Ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA - CONCEITO DE CONSUMIDOR - TEORIA MAXIMALISTA E FINALISTA - EMPRESA HIPOSSUFICIENTE - COMPETÊNCIA - FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. O conceito de consumidor prescrito no artigo 2º do CDC deve ser entendido à luz da teoria maximalista, o que implica dizer que consumidor é todo aquele que se encontra na qualidade de destinatário final do bem ou serviço. Segundo entendimento recente da segunda seção do STJ, mesmo para aqueles que se filiam à teoria finalista, torna-se necessário, em situações excepcionais, um abrandamento da mesma, de forma a estender a incidência das normas consumeristas às empresas que demonstrarem hipossuficiência técnica, econômica ou jurídica.” Data de publicação: 28/04/2007.
E ainda:
TJ-MG - 200000051293040001 MG 2.0000.00.512930-4/000 (1) (TJ-MG) Ementa:"APELAÇÃO CÍVEL N. 2.0000.00.512.930-4/000 - BELO HORIZONTE - 1.9.2005 EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. NULIDADE. CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. BENS ADQUIRIDOS PARA EMPREGO EM CADEIA PRODUTIVA. TEORIA FINALISTA E MAXIMALISTA. JUROS REMUNERATÓRIOS. ANATOCISMO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MULTA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. A tese de que a aquisição ou utilização de bens ou produtos destinados à cadeia produtiva, com fito de lucro, não está subordinada à disciplina jurídica do Código de Defesa e Proteção do Consumidor é muito restritiva, visto que exclui da tutela legal uma variedade imensa de relações tipicamente de consumo. A teoria maximalista é a que melhor atende aos ditames da nova ordem jurídica, que visa proteger as relações de consumo. Os contratos de adesão descaracterizam a liberdade de contratar, visto que são previamente estipulados por uma das partes e impostos à outra. Não há prévia negociação das cláusulas. São feitos tipo padrões, de forma massificada, com cláusulas uniformes para todos os destinatários, sem variação de conteúdo. A moderna concepção de contrato impõe aos operadores do direito o dever de examiná-lo sob a ótica de sua função social, considerando sua importância dentro do contexto social onde é avençado, e não sob o império do pacta sunt servanda da outrora teoria clássica. Certo é que a limitação da taxa de juros reais a doze por cento (12%) ao ano não mais existe no sistema constitucional brasileiro, eis que o § 3º do art. 192 da CR/88 fora revogado em virtude da Emenda Constitucional nº 40, de 29.5.2003. Contudo, isso não significa dizer que a taxa do encargo em questão possa ser fixada de forma indiscriminada e arbitrária, porquanto, os contratantes somente poderão livremente estabelecer os juros, desde que assim o autorize o ordenamento jurídico. O artigo 4º do Decreto n.º 22.626 /33, que veda a incidência de juros sobre juros, não foi revogado pela Lei n.º 4.59…” Data de publicação: 27/09/2005.
Nesta interpretação desconsidera-se também o conceito de vulnerabilidade.
Considerações finais
As duas teorias, apesar de muito bem argumentadas, apresentam grandes defeitos, e que afastam a aplicação delas do ideal de justiça.
No primeiro caso, com a Teoria Finalista, podemos imaginar como exemplo a situação em que uma dona de casa adquire uma máquina de costura para produzir peças de roupas que serão vendidas com o objetivo de sustentar sua família. Por esta teoria, o produto adquirido, por estar sendo utilizado em cadeia de produção, afasta a possibilidade da dona de casa ser considerada como consumidora, ainda que esteja aquém do fornecedor, ou seja, ainda que seja claramente vulnerável nessa relação jurídica.
Enquanto isso, no segundo caso, com a Teoria Maximalista, a proteção abrange demasiadamente as relações de consumo, de forma não representar a verdadeira natureza da lei consumerista. Podemos exemplificar com a situação de uma grande empresa de costura, que mensalmente adquire vultosa quantidade de tecidos, linhas e agulhas para a produção de suas peças de roupas. De acordo com esta teoria, a empresa será considerada consumidora para aplicação do Código, ainda que esta esteja em pé de igualdade com o fornecedor, ou, até em vantagem.
É importante que haja correta caracterização de uma relação de consumo, pois haverão reflexos na relação processual, como inversão do ônus da prova, responsabilidade do fornecedor, entre outros.
Em nenhum dos casos há melhor interpretação da norma. O consumidor, primordialmente é parte vulnerável na relação de consumo, e tal afirmação deve servir como filtro para aplicação da lei consumerista para que dessa forma seja atendida a real pretensão do legislador.
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1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente estudo é analisar o significado da expressão “destinatário final” continda no conceito de consumidor, no caput do art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e as teorias existentes acerca desse conceito.
Será demonstrado que o termo “destinatário final” não é tão simples e óbvio como parece. Existem três teorias que buscam explicar seu significado. Tais correntes são: finalista pura, maximalista e finalista mitigada.
As três teorias foram analisadas à luz da doutrina e da jusrisprudência, sendo comentados os julgados apresentados para melhor compreesão. Essa análise é importante, pois, dependendo da teoria escolhida, o consumidor poderá ou não invocar o CDC em seu favor.
Inicialmente, será abordado o conceito de consumidor e sua problemática diante do termo “destinatário final”. Em seguida, cada uma das três teorias será considerada e comentada. Ao final, apresenta-se a posição da jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.
2. CONCEITO DE CONSUMIDOR
A própria legislação consumerista se encarregou de conceituar consumidor no art. 2º, caput, do CDC, como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final" (BRASIL, 1990, p. 1). Comentando o dispositivo, Nehemias Domingos de Melo afirma que o conceito faz referência à “pessoa física ou jurídica que adquire o produto, para uso próprio ou de terceiro, ou contrato de serviço, condicionando apenas a que seja o destinatário final, isto é, que não recoloque o produto ou serviço adquirido no mercado de consumo” (MELO, 2008, p. 32).
Não obstante a aparente clareza dessa disposição literal da legislação, o tema não é pacífico, uma vez que se vislumbram debates acalorados acerca do significado da expressão “destinatário final”. Uma parcela da doutrina entende que a expressão se aplica ao consumidor fático e econômico do bem ou serviço, isto é, àquele que, em caráter definitivo, utiliza-se do que é oferecido pelo fornecedor, sem se colocar como intermediário da fruição do bem ou serviço por terceiros. Outros autores, porém, sustentam que será também considerado “destinatário final” todo aquele que se insere em relação de consumo, independentemente da expressão econômica dos sujeitos envolvidos (consumidor e fornecedor) e sem perquirir a finalidade da aquisição de produtos e/ou serviços.
Existe grande discussão doutrinária e jusrisprudencial no que diz respeito à limitação da aplicação do Direito do Consumidor quando o adquirente for uma pessoa jurídica ou um profissional. Desse modo, discute-se, por exemplo, se o taxista, quando adquire um veículo para sua atividade profissional, pode ser considerado consumidor ou não, bem como se uma empresa que adquire um aparelho de ar-condicionado para instalar em seu escritório pode ser enquadrada como consumidora.
Nesse sentido, Cláudia Lima Marques ensina: “certamente, ser destinatário final é retirar o bem de mercado (ato objetivo), mas, e se o sujeito adquire o bem para utilizálo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo), com fim de lucro, também deve ser considerado ‘destinatário final’?” (MARQUES, 2006, p. 303). De fato, a definição de consumidor do caput do art. 2º, do CDC, não responde à pergunta, sendo necessário interpretar a expressão “destinatário final”.
Rizzatto Nunes, tratando do problema no uso da referida expresão, expõe:
O problema do uso do termo “destinatário final” está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final, mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo, pode ser considerado consumidor? E a empresa de contabilidade que adquire num grande supermercado um microcomputador para desenvolver suas atividades, é considerada consumidora? (NUNES, 2012, p. 122).
As questões suscitadas por Rizatto Nunes são importantes, pois, se for caracterizada relação de consumo, é o Código de Defesa do Consumidor que será aplicado, e não o Código Civil. Isso faz uma grande diferença no procedimento judicial e no ônus probatório direcionado às partes. No âmbito civil, as partes são literalmente iguais e devem provar as alegações que sustentam o seu requerimento em juízo. Já no CDC, como meio de igualar a vulnerabilidade do consumidor, ocorre a inversão do ônus probatório, que recai sobre o fornecedor.
Gustavo Pereira Leite Ribeiro, ao comentar o conceito de consumidor padrão, afirma que “o primeiro elemento característico deste conceito é a inclusão expressa da pessoa jurídica nele” (RIBEIRO, 2006, p. 93). Na ocasião, o doutrinador também faz uma crítica à autora Cláudia Lima Marques, a qual adverte que a pessoa jurídica não deveria ser consumidora, pois se apresenta aparelhada para concorrer com o fornecedor de produtos e serviços. O autor explica: “parece-nos que a autora possui uma opinião demasiadamente exagerada, pois, de fato, existem várias pequenas empresas que se encontram em posição de inferioridade diante de grandes fornecedores, assim como as pessoas físicas” (RIBEIRO, loc. cit.).
José Roberto de Castro Neves, ao tratar da definição de consumidor no direio brasileiro, ressalta que, no princípio, a figura do consumidor era identificada de forma restrita, como a de um adquirente de produtos farmacêuticos e alimentícios. Atualmente, “o entendimento dominante, tanto doutrinário quanto legal, é ver o consumidor como aquele que se utiliza, para seu uso privado, ao término da cadeia de produção, quer de bens de consumo, quer de serviços públicos ou privados” (NEVES, 2006, p. 101).
Visando a solucionar as questões relativas à ampla conceituação de consumidor trazida pela lei, formaram-se, basicamente, duas correntes de entendimento: a finalista e a maximalista, abordadas pela maioria da doutrina. No entanto, uma terceira teoria também tem sido utilizada em julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber, a teoria finalista mitigada. O próximo tópico deste trabalho se propõe a analisar as três correntes mencionadas e sua aplicação na jurisprudência do STJ.
3. TEORIAS ACERCA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR E SUAS APLICAÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Doutrina e jurisprudência desenvolveram três teorias para explicar quem vem a ser o "destinatário final" de produto ou serviço mencionado na definição de consumidor no caput do art. 2º da lei consumeirista: a teoria finalista, a maximalista e a finalista mitigada.
Os finalistas defendem uma aplicação restritiva das normas de proteção do consumidor, enquanto os maximalistas defendem uma aplicação ampliativa do CDC. Já a terceira corrente, a finalista mitigada, é intermediária. “Aliás, ainda nesta discussão, apresenta-se relevante e problemática a caracterização da pessoa jurídica e do profissional liberal como consumidores” (RIBEIRO, 2006, p. 93).
Diante do impasse na definição do termo “destinatário final”, faz-se necessário descrever e analisar como a doutrina e a jusriprudência vêm tratando o tema, pois como já mencionado neste trabalho, a definição do termo acima irá direcionar as lides para o tratamento de acordo com o Código de Defesa do Consumidor ou conforme o Código Civil. Portanto, a seguir, analisam-se as teorias mencioonadas.
3.1 TEORIA FINALISTA OU FINALISTA PURA
Nesta teoria, é considerado consumidor “quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções, de modo não profissional (destinatário final econômico)” (SILVA, 2008, p. 8).
A teoria finalista “alberga o entendimento de que se deve proceder in casu a uma interpretação restrita do que se tem por consumidor, diminuindo sobremaneira a protetiva incidência do Código, afeta, apenas, aos casos de rela existência de um pólo hipossuficiente, inferior” (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 14).
Com isso, seria considerado consumidor, por exemplo, “o advogado em relação ao automóvel adquirido, pois este não estaria inserido entre os instrumentos necessários para o exercício da profissão, como os livros de direito, o computador ou a impressora” (SILVA, 2008, p. 8).
Cláudia Lima Marques, comentando sobre a restrição da teoria finalista, menciona:
Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Consideram que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede (MARQUES, 2006, p. 304).
Pela ótica dos finalistas, estão excluídas da proteção do Código do Consumidor as empresas que, por exemplo, compram uma máquina para a fabricação de seus produtos ou mesmo uma copiadora para ser utilizada em seu escritório. Desse modo, se o produto apresentar defeitos ou vícios, a empresa deverá resolver o problema com seu fornecedor pelas vias da legislação civil, jamais se utilizando da legislação do consumidor. Doutrinadores justificam tal posicionamento alegando que os referidos bens entram na cadeia produtiva e nada têm a ver com o conceito de destinação final. Trata-se de perspectiva altamente restritiva do âmbito de aplicação do CDC, que faz com que empresas e profissionais praticamente estejam excluídos do conceito de consumidor. É o que ensina Nehemias de Melo, in verbis:
Verifica-se, por esta teoria, que a pessoa jurídica ou o profissional dificilmente poderão ser considerados consumidores, na exata medida em que seus defensores reservam tal conceito tão só para as pessoas físicas que retiram do mercado de consumo um bem ou um serviço, para seu uso pessoal ou de sua família, como usuário final. (MELO, 2008, p. 35).
No mesmo sentido, Gustavo Pereira Leite Ribeiro afirma que a tese dos juristas pátrios, influenciados pela doutrina belga, que defende como regra geral, a impossibilidade de as pessoas jurídicas e de os profissionais liberais apresentarem-se como consumidores, uma vez que se apresentariam em desigualdade de condições no ato de contratação, parece improcedente, pois tal entendimento afronta expressa disposição legal, consubstanciando uma interpretação não autorizada ou contra legem (RIBEIRO, 2006, p. 95).
Para a teoria finalista, “destinatário final é apenas quem retira o produto do mercado para seu uso (próprio ou de sua família) e não profissional. Se o produto retornar ao mercado de alguma forma, não haverá relação de consumo” (NEVES, 2006, p.103). José Roberto de Castro Neves, ainda traz um exemplo sobre essa teoria:
Caso, um barbeiro adquira um creme para usar nos clientes de seu estabelecimento, não haverá, para os adeptos da teoria finalista, relação de consumo nesta aquisição. Afinal, o creme foi novamente introduzido no mercado. Essa teoria, assim, dá uma interpretação restrita ao termo “destinatário final”. Dessa forma, ao menos em uma interpretação apegada ao texto da lei, não se podem considerar consumidores os intermediários da relação de consumo (NEVES, 2006, p. 103).
Em resumo, a teoria finalista, também conhecida como finalista pura, considera como destinatário final o adquirente fático e econômico do produto ou serviço. Essa corrente está preocupada em não banalizar o Código de Defesa do Consumidor. Sua preocupação é com a vulnerabilidade do consumidor e em proteger o “menor” na relação consumeirista, razão pela qual restringe o conceito de consumidor.
Mas, como a jusrisprudência tem tratado os processos que envolvem a teoria finalista pura? Abaixo seguem alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para análise e compreensão:
STJ. TERCEIRA TURMA. Agravo Regimental NO RECURSO ESPECIAL Nº 1386938. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA: 06/11/2013 EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. DESCABIMENTO. 1.- O critério adotado para determinação da condição de consumidora da pessoa jurídica é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a pessoa jurídica deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- Na hipótese, o Acórdão recorrido, examinando o contrato firmado pelas partes, conclui que a Cédula de Crédito Comercial teve por finalidade o fomento da atividade empresarial do recorrente. Consequentemente, a ele não se aplicam os ditames contidos no art. 52, § 1º da Lei consumerista. 3.- Não havendo relação de consumo entre as partes, não cabe a redução da multa moratória com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. 4.- Agravo Regimental improvido. (BRASIL, 2013, p. 1)
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1358231. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 17/06/2013. EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes. 5. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, 2013, p.1)
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 245697. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:07/06/2013. EMENTA: APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO PARA USO DE SOFTWARE DE VENDAS ON LINE. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1.- Quanto à aplicação do CDC, conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que pessoa jurídica contrata uso de software de vendas on line, não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que o programa teve o propósito de fomento da atividade empresarial exercida, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido. (BRASIL, 2013. P. 1)
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1193293. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:11/12/2012. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE FRANQUIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. 1.- Conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que se discute a validade das cláusulas de dois contratos de financiamento em moeda estrangeira visando viabilizar a franquia para exploração de Restaurante "Mc Donald's", o primeiro no valor de US$ 368.000,00 (trezentos e sessenta e oito mil dólares) e o segundo de US$ 87.570,00 (oitenta e sete mil, quinhentos e setenta dólares), não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que os empréstimos tomados tiveram o propósito de fomento da atividade empresarial exercida pelo recorrente, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido. (BRASIL, 2012, p. 1)
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1173 060. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 25/10/2012. EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE ONCOLOGIA. COMPRA DE MÁQUINA RECONDICIONADA, DE VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE DEPÓSITO AO REPRESENTANTE COMERCIAL. POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO REPRESENTANTE COMERCIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO. LIQUIDAÇÃO. 1. A relação jurídica entre clínica de oncologia que compra equipamento para prestar serviços de tratamento ao câncer, e representante comercial que vende esses mesmos equipamentos, não é de consumo, dada a adoção da teoria finalista acerca da definição das relações de consumo, no julgamento do REsp 541.867/BA (Rel. Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, DJ de 16/5/2005). 2. Há precedentes nesta Corte mitigando a teoria finalista nas hipóteses em que haja elementos que indiquem a presença de situações de clara vulnerabilidade de uma das partes, o que não ocorre na situação concreta. 3. Pela legislação de regência, o representante comercial age por conta e risco do representando, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedia. Tendo isso em vista, não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade estrangeira a quem ele representa. 4. Não tendo sido possível concluir a entrega da mercadoria, contudo, por força de evento externo pelo qual nenhuma das partes responde, é lícito que seja resolvida a avença, com a devolução, pelo representante, de todos os valores por ele recebidos diretamente, salvo os que tiverem sido repassados à sociedade estrangeira, por regulares operações contabilmente demonstradas. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (BRASIL, 2012, p. 1)
Nesses casos, entendeu o STJ que a pessoa jurídica pode ser considerada consumidora, desde que não se qualifique como a usuária final do bem ou serviço. Adotou, porém, a teoria finalista, considerando que o “destinatário final” é o que efetivamente faz uso do bem ou serviço no sentido econômico. Sob essa ótica, a expressão “destinatário final” se caracteriza pelo consumidor fático e econômico do serviço ou produto, o que exclui os consumidores intermediários. No entanto, o que se observa é que o Tribunal em questão tem, com frequência, mitigado a teoria finalista pura, dando origem a uma nova teoria que será estudada mais adiante.
3.2 TEORIA MAXIMALISTA
A teoria maximalista, diferentemente da finalista, amplia o conceito de consumidor. Entende, que a ratio legis trouxe ao ordenamento, com a Lei n.º 8.078/90, normas de regência de tudo quanto se refere a consumo, normas gerais, envolvendo todos os entes participantes do mercado econômico, oferecendo uma interpretação literal da norma sob comento (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 14).
Com efeito, Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva ao tratar da corrente maximalista, apresenta as seguintes considerações:
Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático) (SILVA, 2008, p. 8).
O doutrinador, ao concluir suas considerações sobre a teoria maximalista, traz exemplos esclarecedores a luz dessa corrente. Na sua perspectiva, seriam consumidores o advogado em relação ao computador, bem como o taxista em relação ao carro porque, ainda que sejam instrumentos necessários para o exercício de sua atividade profissional, o computador e o veículo jamais voltariam ou integrariam a cadeia de produção e circulação de bens ou serviços, por transformação ou beneficiamento, como poderia de fato ocorrer no caso do aço ou da energia elétrica adquiridos pela montadora de carros (SILVA, 2008, p. 8).
Desse modo, a teoria maximalista alarga a noção de consumidor, para abranger também os profissionais. Para os adeptos dessa corrente, “pouco importa se o produto será utilizado com benefício econômico por quem o adquiriu, se o consumidor usa o bem com um fim profissional. Avalia-se, apenas, se o produto foi retirado do mercado” (NEVES, 2006, p. 103).
Cláudia Lima Marques faz importantes exemplificações em sua obra sobre a amplitude da teoria maximalista:
A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família”. (MARQUES, 2006, p. 305).
No exemplo do barbeiro mencionado na descrição da teoria finalista, caso a teoria maximalista fosse adotada, o barbeiro seria considerado consumidor. Dessa forma, os maximalistas sustentam que o amparo referido na Lei n.º 8.078/90 não serve apenas aos consumidores não-profissionais, mas a todo o mercado.
Importante se faz ressaltar, que, mesmo para a teoria maximalista, não será considerado consumidor quem adquire o produto para revendê-lo ou beneficiá-lo. “O comerciante que compra da fábrica para, em seguida, colocar o produto a venda em sua loja, não é consumidor, independentemente da teoria – finalista ou maximalista – adotada para interpretar o artigo 2º da Lei dos Consumidores” (NEVES, 2006; p.103).
Em síntese, a teoria maximalista trouxe amplitude ao conceito de destinatário final constante no caput do art. 2º do CDC. Para essa corrente, o CDC também é aplicável aos consumidores intermediários, pois somente a destinação fática do produto ou serviço é levada em consideração, sendo desconsiderada a destinação econômica do bem ou serviço. O foco da teoria maximalista é o objeto, enquanto o da teoria finalista é o sujeito.
No entanto, como a jurisprudência tem se comportado diante de situações que envolvem a provável aplicação da teoria maximalista? Tem aceitado consumidores intermediários como destinatários finais na relação de consumo, mesmo que esse seja uma empresa? Vejamos alguns julgados do STJ:
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 445854. REL. MIN. CASTRO FILHO. DJ DATA: 19/12/2003 EMENTA: CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia. (BRASIL, 2003, p.1)
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 142042. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR. DJ DATA: 11/11/1997 EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Incidência. Responsabilidade do fornecedor. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina á sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade no produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do CDC). (BRASIL, 1997, p.1)
Nesse interessante julgado, (Recurso Especial n.º 142042), o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a relação jurídica entre vendedor de máquina agrícola e o comprador que a destina à sua atividade no campo possui natureza de consumo, devendo, portanto, ser aplicado o Código Consumeirista nesta relação de consumo.
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 231208. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIARCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DATA: 07/02/2000. EMENTA: Financiamento para aquisição de automóvel. Aplicação do CDC. O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo. A multa é calculada sobre o valor das prestações vencidas, não sobre o total do financiamento (art. 52, § 1º, do CDC).Recurso não conhecido. (BRASIL, 2000, p.1)
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 208793. REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. DJ DATA: 01/08/2000.EMENTA: Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes. 1. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. 2. Estando o contrato submetido ao Código de Defesa do Consumidor a prescrição é de cinco anos. 3. Deixando o Acórdão recorrido para a liquidação por artigos a condenação por lucros cessantes, não há prequestionamento dos artigos 284 e 462 do Código de Processo Civil, e 1.059 e 1.060 do Código Civil, que não podem ser superiores ao valor indicado na inicial. 4. Recurso especial não conhecido. (BRASIL, 2000, p. 1)
No Recurso Especial n.º 208793, acima, asseverou o Superior Tribunal de Justiça que o adubo é consumido pelo agricultor, não sendo matéria-prima destinada a outro consumidor, não havendo, portanto, beneficiamento do adubo para revenda. Significa dizer: o agricultor utilizou o adubo apenas para o preparo da terra, para criar condições necessárias ao seu trabalho profissional como agricultor. Dessa forma, entendeu o tribunal que não se pode afirmar ter sido o adubo incorporado ao produto agrícola.
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 611872. REL. MIN. ANTÕNIO CARLOS FERREIRA. DJE DATA:23/10/2012. EMENTA: DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO-QUILÔMETRO PARA UTILIZAÇÃO PROFISSIONAL COMO TÁXI. DEFEITO DO PRODUTO. INÉRCIA NA SOLUÇÃO DO DEFEITO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO PARA RETOMADA DO VEÍCULO, MESMO DIANTE DOS DEFEITOS. SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE. DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO POR ORDEM JUDICIAL COM RECONHECIMENTO DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA MONTADORA. REPOSIÇÃO DA PEÇA DEFEITUOSA, APÓS DIAGNÓSTICO PELA MONTADORA. LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA O DESEMPENHO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DE TAXISTA. ACÚMULO DE DÍVIDAS. NEGATIVAÇÃO NO SPC. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. 2. A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art. 18, caput, do CDC. 3. Indenização por dano moral devida, com redução do valor. 4. Recurso especial parcialmente provido. (BRASIL, 2012, p. 1)
Como pode ser observado, o Superior Tribunal de Justiça também possui jugaldos que acolheram a teoria maximalista. Essa teoria, no entanto, tem sido deixada de lado, uma vez que amplia demasiadamente o conceito de destinatário final do caput do art. 2º do CDC, não se preocupando com a vulnerabilidade do consumidor, e sim com a aplicação geral do Código Consumeirista. No entanto, embora a teoria utilizada atualmente no CDC seja a finalista pura, uma terceira corrente, intermediária, criada pelo STJ tem sido utilizada, conforme será examinado no tópico seguinte.
3.3 TEORIA FINALISTA MITIGADA OU FINALISTA APROFUNDADA
Essa terceira corrente foi criada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se de uma teoria intermediária, que não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor. Cláudia Lima Marques expõe em sua obra acerca da corrente finalista aprofundada:
A partir de 2003, com a entrada em vigor do CC/2002, parece estar aparecendo uma terceira teoria, subdivião da primeira – que aqui passo a denominar de “finalismo aprofundado” – na jurisprudência, em especial do STJ, demosntrando ao mesmo tempo extremo domínio da interpretação finalista e do CDC, mas com razoabilidade e prudência interpretando a expressão “destinatário final” do art. 2º do CDC de forma diferenciada e mista. (MARQUES, 2006, p. 305).
Verifica-se, pois, segundo Cláudia Lima Marques, o crescimento de uma nova tendência na jurisprudência brasileira. A autora ainda considera que o STJ apresenta-se efetivamente mais “finalista” e executando uma interpretação do campo de aplicação e das normas do CDC de forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém mais finalista e objetiva quanto à atividade ou ao papel do agente na sociedade de consumo. “É uma interpretação mais aprofundada e madura, que deve ser saudada.” (MARQUES, 2006, p. 347)
A ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, descreve muito bem as características da teoria finalista aprofundada ou teoria finalista mitigada:
(...) a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora (...). (BRASIL, 2012, p. 1)
Nehemias Domingos de Melo, comentando em sua obra sobre a teoria da causa final abordada por Roberto Senise Lisboa, concorda que se justifica a aplicação desta teoria pelos seguintes argumentos: a) O CDC considera pessoa jurídica consumidora, conforme expresso no caput do art. 2º do Código Consumeirista; b) ainda que o produto seja transformado para uso próprio, essa condição, de per si, não retira do adquirente a condição de consumidor final, assim, esse consumidor merece a proteção do CDC; e c) se o CDC quisesse excluir os profissionais, teria feito menção expressa, assim como se desejasse excluir a pessoa jurídica não a teria mencionado (MELO, 2008, p. 37-38).
Gustavo Pereira Leite Ribeiro, também se valendo da teoria da causa final por Roberto Senise Lisboa, expõe, in verbis:
No entanto, parece-nos que somente através da teoria da causa final defendida e empossada por Roberto Senise Lisboa, é que poderemos resolver adequadamente o problema da delimitação da destinação final dada ao produto e ao serviço e, consequentemente, da qualificação da pessoa jurídica e do profissional liberal como consumidores. Segundo o professor paulista, para a delimitação da expressão "destinatário final" deve-se analisar a causa final da aquisição ou utilização do bem, isto é, deve-se analisar "a finalidade ou o objetivo pelo qual um sujeito de direito acaba de constituir uma relação jurídica". A causa final explica "para que" determinado fato ou relação jurídica ocorreu (RIBEIRO, 2006, p. 97).
José Roberto de Castro Neves, ao tratar das teorias sobre “destinatário final”, ensina:
Pode-se dizer que, atualmente, há, da parte do Supremo Tribunal de Justiça, uma contribuição inteligente à discussão entre as correntes maximalista e finalista, na medida em que se busca aferir a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto em função do grau de desigualdade material existente entre as partes envolvidas. A vulnerabilidade passa a ser pedra de toque (...). Não há consenso hoje sobre qual das duas teorias vai prevalecer, a nossa doutrina não oferece uma orientação segura, havendo, todavia, uma inclinação à teoria finalista. Para dar um exemplo, Cláudia Lima MARQUES, Carlos Alberto BITTAR, José Geraldo Brito FILOMENO, Antônio Herman BENJAMIM são adeptos da teoria finalista. De outro lado, James MARINS defende a teoria maximalista. A jurisprudência tende para a corrente finalista. A doutrina e a jurisprudência, hoje, se inclinam para a corrente finalista (...). Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca de equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para avaliação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores - empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. (NEVES, 2006, p. 104 - 105)
Vidal Serrano Nunes Júnior, em sua obra, se posiciona favorável à aplicação da teoria finalista mitigada:
A nosso ver a questão se resolve ante uma interpretação sistemática do Código, o que nos aproxima, embora com restrições, da corrente finalista. A lei veio para trazer guarida aos economicamente frágeis, e não para resolver litígios concernentes às inflamadas relações comerciais (...). Destaca-se, contudo, que nada obsta que uma pessoa jurídica figure – com justiça – em uma relação de consumo no pólo hipossuficiente. (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 15)
Alguns julgados do STJ demonstram a aplicação da teoria finalista mitigada. A jurisprudência tem considerado o fator vulnerabilidade e hipossuficiência como essenciais para a caracterização dessa corrente:
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 328043. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:05/09/2013. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. VENDA PELA INTERNET. CARTÃO DE CRÉDITO CLONADO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CONSUMERISTA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. SÚMULAS STJ/5 E 7. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, hipótese não observada caso dos autos. 2.- No que tange ao dever de indenizar, ultrapassar e infirmar a conclusão alcançada pelo Acórdão recorrido - existência de relação jurídica entre as partes - demandaria o reexame do contrato, dos fatos e das provas presentes no processo, o que é incabível na estreita via especial. Incidem as Súmulas 5 e 7 desta Corte. 3.- Agravo Regimental improvido. (BRASIL, 2013, p.1)
STJ. QUARTA TURMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 265845. REL. MIN. MARCOS BUZZI. DJE DATA: 01/08/2013. EMBARGOS À EXECUÇÃO EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO, MANTENDO HÍGIDA A DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA 1. Expediente manejado com nítido e exclusivo intuito infringencial. Recebimento do reclamo como agravo regimental. 2. É vedado a este Tribunal apreciar violação de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. 3. Incidência dos óbices das súmulas 5 e 7/STJ, no tocante às teses de inexigibilidade da cédulas de crédito, vulnerabilidade e hipossuficiência da recorrente e ocorrência de fraude na operação de transferência dos títulos. Tribunal local que, com amparo nos elementos de convicção dos autos e nas cláusulas contratuais, entendeu não existir circunstâncias capazes de ensejar a ineficácia, anulação ou invalidade da cédula de crédito, tampouco de provas aptas a corroborar a alegação de que tenha ocorrido cessão de créditos, fraude ou conduta capaz de gerar prejuízos à ora insurgente e demonstração da vulnerabilidade e hipossuficiência da insurgente. Impossibilidade de reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais. 4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo, podendo no entanto ser mitigada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. O Tribunal de origem asseverou não ser a insurgente destinatária final do serviço, tampouco hipossuficiente. Inviabilidade de reenfrentamento do acervo fático-probatório para concluir em sentido diverso, aplicando-se o óbice da súmula 7/STJ. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido. (BRASIL, 2013, p.1)
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIALNº 1149195. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA: 01/08/2013 EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO. EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO ATACADO. 1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se vislumbraria a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor, não há como reconhecer a existência de uma relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ. 3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os fundamento indicados pelo acórdão recorrido para admitir a exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo, com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF. 4.- Agravo Regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2013, p.1)
STJ. QUARTA TURMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1371143. REL. MIN. RAUL ARAÚJO. DJE DATA: 17/04/2013. EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. TEORIA FINALISTA. DESTINATÁRIO FINAL. NÃO ENQUADRAMENTO. VULNERABILIDADE. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e da economia processual. 2. Consoante jurisprudência desta Corte, o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou subjetiva). 3. Esta Corte tem mitigado a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. 4. Tendo o Tribunal de origem assentado que a parte agravante não é destinatária final do serviço, tampouco hipossuficiente, é inviável a pretensão deduzida no apelo especial, uma vez que demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7 desta Corte. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2013, p. 1)
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1195642. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA:21/11/2012 RDDP VOL.:00120 PG:00135 RJP VOL.:00049 PG:00156 ..DTPB. EMENTA: CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (BRASIL, 2012, p. 1)
Logo, acórdãos recentes apontam o crescimento da utilização da teoria finalista mitigada na jurisprudência do STJ. No entanto, conforme demonstrado no último julgado (Recurso Especial n.º 1195642), a construção da teoria se dará de forma casuística, analisando difrentes hipóteses em que uma pessoa jurídica possa demonstrar vulnerabilidade ou hipossuficiência em relação a outra. Nesse sentido, impotante considerar que a hipossuficiência não se restringe à esfera econômica, sendo três as modalidades de vulnerabilidade tradicionalmente apontadas pela doutrina: a) técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo); b) jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo); e c) fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra), admitindo-se, também, a possibilidade de constatação de outras espécies de vulnerabilidade, pelo que se afirma o caráter casuistico da teoria.
4. CONCLUSÃO
Doutrina e jurisprudência debatem-se em torno do significado da expressão “destinatário final”, contida no art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O tema apresenta relevância, na medida em que influi diretamente no conceito de consumidor, o que, por sua vez, é elemento essencial para o direcionamento dos litígios sociais ao âmbito de proteção do direito do consumidor ou às normas de direito civil.
Verificou-se que existem três teorias destinadas a explicar o significado da referida expressão: a finalista pura, a maximalista e a finalista mitigada.Os finalistas defendem uma aplicação restritiva das normas de proteção do consumidor, enquanto os maximalistas defendem uma aplicação ampliativa do CDC. Já a terceira corrente, a finalista mitigada, é intermediária.
Segundo a teoria finalista, é considerado consumidor quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço, sendo este aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, das respectivas funções, de modo não profissional (destinatário final econômico). Pela ótica dos finalistas, estão excluídas da proteção do Código do Consumidor as empresas que, por exemplo, compram uma máquina para a fabricação de seus produtos ou mesmo uma copiadora para ser utilizada em seu escritório. Desse modo, se o produto apresentar defeitos ou vícios, a empresa deverá resolver o problema com seu fornecedor pelas vias da legislação civil, jamais se utilizando da legislação do consumidor. Doutrinadores justificam tal posicionamento alegando que os referidos bens entram na cadeia produtiva e nada têm a ver com o conceito de destinação final.
A teoria maximalista, no extremo oposto da finalista, amplia o conceito de consumidor. Entende, que a ratio legis trouxe ao ordenamento, com a Lei n.º 8.078/90, normas de regência de tudo quanto se refere a consumo, normas gerais, envolvendo todos os entes participantes do mercado econômico, oferecendo uma interpretação literal da norma sob comento.
A terceira teoria é a finalista mitigada, que foi criada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se de uma teoria intermediária, que não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor. A construção dessa perspectiva, contudo, dá-se de forma casuística: no exame do caso concreto, analisam-se difrentes hipóteses em que uma pessoa jurídica pode demonstrar vulnerabilidade ou hipossuficiência em relação a outra, admitindo-se a vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor), dentre outas que possam ser verificadas na experiência forense.
1. Introdução
A ideia de regramento de comportamentos e obrigações a serem realizados durante e após as relações de consumo não é recente como alguns podem acreditar; podemos, pois, encontrar normas que tinham a intenção de proteger o consumidor em um dos mais antigos registros de documentos jurídicos que se tem notícia, o Código de Hammurabi.
Formulado pelo Rei Hammurabi (1728-1686 a.C.), com o intento de “torná-lo glorioso entre os reis”[1], o código adotava o princípio do “olho por olho, dente por dente”. Entre os preceitos legais 215 – 240, o Código de Hammurabi trazia leis que regulavam algumas categorias especiais de trabalhadores, assim como: médicos, veterinários, barbeiros, pedreiros, arquitetos, entre outros. Essas leis conferiam direitos e obrigações entre esses profissionais e àquelas pessoas que contratavam os seus serviços.
Embora os povos praticassem atividades comerciais desde o período da antiguidade, poucos desses tinham um direito que regulasse essas atividades. Diferentemente dos babilônicos que dispunham do Código de Hammurabi, “os fenícios, que são considerados um povo que praticou o comércio em larga escala, não possuíam regras especiais aplicáveis às relações comerciais”.[2] Já na Índia do século XIII a.C., encontramos o “sagrado” Código de Massú estabelecia punições para os casos de adulteração de alimentos.
Os gregos tinham normas que regiam o assunto, porém entre eles imperava um direito calcado nos costumes, com cuidados em preservar os direitos do consumidor. “Na Grécia, conforme lição extraída da Constituição de Atenas, de Aristóteles, também havia essa preocupação latente com a defesa do consumidor. Como explicitado pelo mestre estagirista, são também designados por sorteio os fiscais de mercado, cinco para o Pireu e cinco para a cidade; as leis atribuem-lhes os encargos atinentes às mercadorias em geral, a fim de que os produtos vendidos não contenham misturas nem sejam adulterados; são também designados por sorteio os fiscais das medidas, cinco para a cidade e cinco para o Pireu; ficam a seu encargo as medidas e os pesos em geral, a fim de que os vendedores utilizem os corretos; havia também os guardiães do trigo; eles se encarregam, em primeiro lugar, de que o trigo em grão colocado no mercado seja vendido honestamente; depois, de que os moleiros vendam a farinha por um preço correspondente ao da cevada, e de que os padeiros vendam os pães por um preço correspondente ao do trigo e com o seu peso na medida por eles prescrita (com efeito, a lei ordena que eles o fixem); são também designados por sorteio dez inspetores do comércio, aos quais se atribuem os encargos mercantis, devendo eles obrigar os comerciantes a trazerem para a cidade dois terços do trigo transportados para comercialização (…) o juro de uma dracma incidente sobre o capital de uma mina implicava uma taxa de 1% ao mês ou 12% ao ano.”[3]
Em Roma, apesar do forte desenvolvimento jurídico promovido pelos romanos, eles também não dispunham de um ordenamento centralizado sobre o assunto. O Direito Comum, com algumas poucas exceções, é que regulava as relações de compra e venda entre eles. “Não se pode, porém, deixar de admitir que o Ius Gentium melhor se adaptava às atividades de comércio, chegando alguns autores a sustentar ser esse direito uma consequência do tráfico mercantil.”[4]
“Destacam-se ainda, no Império Romano, as práticas do controle de abastecimento de produtos, principalmente nas regiões conquistadas, bem como a decretação de congelamento de preços, no período de Deocleciano, uma vez que também nesse período se fazia sentir o processo inflacionário, gerado em grande parte pelo déficit do tesouro imperial na manutenção das hostes de ocupação.”[5]
Versando efetivamente do movimento consumerista, como uma relação definida aos moldes atuais, seu desenvolvimento se deu ao mesmo passo em que os sindicatos lutavam por melhores condições de trabalho para os operários. De fato, os movimentos sindicalistas e consumeristas entrelaçaram-se a ponto de permitir o aparecimento, em 1891, nos Estados Unidos, da New York Consumer`s League, atualmente designada como Consumer`s Union, um instituto de conscientização aos consumidores sobre os seus direitos. Nessa mesma época, foram criados boicotes aos patrões, que eram considerados como “maus” patrões aos seus empregados. Eram considerados como “maus”, aqueles que estavam em desacordo com as mudanças sociais propostas pelos sindicatos e que não ofereciam condições dignas aos seus trabalhadores.
Como analisa Hélio Zaghetto Gama, “Um mau comerciante, que explorasse menores, velhos ou mulheres, ou que não se mostrasse razoável frente ao progresso dos direitos sociais, era execrado pelos sindicatos. Um curioso mecanismo de interligação entre as reivindicações trabalhistas e as aspirações dos consumidores gerou boicote aos maus fornecedores.”[6]
Em 1960 surgiu a IOCU – Organization of Consumers Unions, que foi inicialmente constituída por organizações de cinco países: Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. Atualmente a IOCU é designada como CI – Consumers International, uma federação mundial de grupos de consumidores que atua em 115 países distribuídos por todos os continentes do Planeta e congrega mais de duzentas e vinte associações de proteção e defesa do consumidor. Inclusive, o Brasil é representado na Consumers International através do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pelo PROCON. A organização é reconhecida pela ONU – Organização das Nações Unidas.
Em 15 de março de 1962, o então presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, encaminha uma mensagem ao Congresso daquele país, reconhecendo os direitos do consumidor, onde considera, por definição, que todos nós somos consumidores, compondo, assim, o maior grupo econômico, e apesar de ser o único grupo importante, muitas vezes suas opiniões não são ouvidas.
Acompanhando esse entendimento, em 16 de abril de 1985 a Organização das Nações Unidas adota a Resolução 39-248, que constitui diretrizes universais para uma política de amparo ao consumidor e destaca a vulnerabilidade que o consumidor apresenta em suas relações com os fornecedores de produtos e serviços.
“A Resolução 39-248, em última análise, traçou uma política geral de proteção ao consumidor destinada aos Estados filiados, tendo em conta seus interesses e necessidades em todos os países e, particularmente, nos em desenvolvimento, reconhecendo que o consumidor enfrenta, amiúde, desequilíbrio em face da capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação. Reconhece, ainda, que todos os consumidores devem ter o direito de acesso a produtos que não sejam perigosos, assim como o de promover um desenvolvimento econômico e social justo, equitativo e seguro. Nela, basicamente, encontra-se a preocupação fundamental de: proteger o consumidor quanto a prejuízos à saúde e segurança, fomentar e proteger seus interesses econômicos, fornecer-lhe informações adequadas para capacitá-lo a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais, educá-lo, criar possibilidades de real ressarcimento, garantir a liberdade para formação de grupos de consumidores e outras organizações de relevância, e oportunidade para que essas organizações possam intervir nos processos decisórios a elas referentes.”[7]
Nessa Resolução, notadamente, se evidencia a preocupação da Assembleia Geral da ONU em incumbir aos Estados o dever de constituir e aplicar políticas próprias para se perpetrar a defesa do consumidor, bem como adotar medidas que garantam a manutenção desses regramentos.
2. Conceito de Consumidor
A Constituição Federal do Brasil determina ao Estado promover a defesa ao consumidor, mas não define quem seria esse sujeito de direitos. Conceituação esta, que encontraremos a partir do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que traz, expressamente, em seu texto, o conceito de consumidor no artigo 2°, e completa essa conceituação nos artigos 17 e 29.
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”
Além da conceituação expressa no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, importante se faz, para uma melhor explicitação, tomarmos definições do termo consumidor também a partir de dicionários da língua portuguesa e dicionários jurídicos.
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa considera consumidor como sendo: “adj.s.m. que ou o que consome. 1 que ou aquele que adquire mercadorias, riquezas e serviços para uso próprio ou de sua família; comprador, freguês, cliente.”[8]
O Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa traz o seguinte significado para consumidor: “Adj. 1. Que consome. S. m. 2. Aquele ou aquilo que consome. 3. Restr. Aquele que compra para gastar em uso próprio.”[9]
Para Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, temos a seguinte definição: “1. Pessoa física ou jurídica que adquire ou usa produto ou serviço como destinatário final. 2. Coletividade de pessoas que intervêm numa relação de consumo. 3. Aquele que consome. 4. O que compra produtos para uso próprio, sem intenção de revendê-los para obter lucro.”[10]
Conforme Pedro Nunes, no Dicionário de Tecnologia Jurídica, a acepção de consumidor seria: “Aquele que adquire comercialmente todas as coisas necessárias à sua manutenção, ou que deseja possuir, segundo o seu status financeiro ou social; segundo a Teoria Finalista é o consumidor final sujeito ao princípio da vulnerabilidade.”[11]
Assim, pode-se determinar que o consumidor possa ser uma pessoa física, uma pessoa jurídica ou, até mesmo, por meio de equiparação, a coletividade de pessoas, independente de serem determináveis ou não, que adquirem ou utilizam produtos ou serviços, para o seu próprio benefício ou de outrem.
Não podemos deixar de mencionar que, ao cuidar da explicação do conceito atribuído ao consumidor, pelo Código de Defesa do Consumidor, a doutrina consumerista entrou em discordância, quando se trata de determinar quem, e em quais circunstâncias, seria o “destinatário final” explicitado no artigo segundo do CDC.
A doutrina se dividiu ao ponto de instituir correntes doutrinárias divergentes para determinar o “destinatário final” que adquire ou utiliza o produto ou o serviço.
A saber, existem três correntes doutrinárias, cada uma com sua própria teoria, para definir a conceituação de consumidor: a finalista, a maximalista e a mista.
2.1 A teoria finalista
A corrente finalista defende a teoria que o consumidor – destinatário final seria apenas aquela pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou contrata o serviço para utilizar para si ou para outrem de forma que satisfaça uma necessidade privada, e que não haja, de maneira alguma, a utilização deste bem ou deste serviço com a finalidade de produzir, desenvolver atividade comercial ou mesmo profissional.
Os finalistas afirmam que, ao se adquirir um produto ou serviço com a finalidade de desenvolver uma atividade de produção, seja para compor o estabelecimento ou para revender o produto, mesmo que transformado, este não estaria utilizando o produto ou serviço como destinatário final.
Nesta conjuntura estaria se caracterizando a compra do produto ou a contratação do serviço para a produção ou comercialização, pois este seria destinado, tão somente, para a revenda, transformação ou incorporação ao estabelecimento, para que um consumidor – destinatário final adquira ou contrate com este profissional ou empresa.
“Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição.”[12]
De acordo com a corrente finalista, o comerciante e o profissional poderão ser considerados como consumidores, quando adquirirem produtos ou contratarem serviços para o uso não profissional, ou seja, que não tenham nenhuma ligação com a sua atividade produtiva. Desta maneira, estariam utilizando o produto ou o serviço para uso privado, por uma necessidade ou satisfação pessoal, de tal modo, poderiam ser considerados como vulneráveis.
2.2 A teoria maximalista
A corrente maximalista defende a teoria de que o consumidor – destinatário final seria toda e qualquer pessoa física ou jurídica que retira o produto ou o serviço do mercado e o utiliza como destinatário final.
Nesta corrente não importa se a pessoa adquire ou utiliza o produto ou serviço para o uso privado ou para o uso profissional, com a finalidade de obter o lucro.
Os maximalistas veem “nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não-profissional. O CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2.° deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2.° é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para reutilizar e a destrói. Segundo esta teoria maximalista, a pergunta da vulnerabilidade in concreto não seria importante. Defende que, diante de métodos contratuais massificados, como o uso de contratos de adesão, todo e qualquer co-contratante seria considerado vulnerável.”[13]
Os maximalistas defendem que será considerado como consumidor aquele que retire o produto ou serviço do mercado e que o utilize como destinatário final, sem importar se este produto ou serviço adquirido seja utilizado para satisfazer uma necessidade pessoal, ou para ser incorporado a um novo processo de produção.
Nota-se, portanto, que o elemento fático para definição do status de consumidor à pessoa física ou jurídica, nesta corrente, não se dará, pelo sujeito de direitos que adquiriu o produto ou o serviço. Este sujeito será definido como consumidor, tão somente, por realizar a compra do produto ou a contratação do serviço.
Cabe ainda, uma observação quanto a esta corrente: Se todas as pessoas, profissionais ou não, que adquirem ou utilizam um produto ou um serviço serão consideradas como consumidores, dessa maneira, somente uma pessoa que estiver vinculada ao processo de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização do produto que está sendo adquirido, não poderá ser considerada como consumidor.
2.3 A teoria mista
Esta corrente, também é conhecida como teoria finalista temperada ou teoria finalista aprofundada. Porém, não consideramos que esta teoria seria um mero aprofundamento da teoria finalista. É bem verdade que esta teoria mescla elementos da teoria finalista e também da teoria maximalista. Desta forma, consideramos errônea a denominação finalista temperada ou finalista aprofundada, sendo, pois, mais adequado denominá-la como teoria mista.
Nesta corrente doutrinária, o consumidor – destinatário final seria aquela pessoa que adquire o produto ou o serviço para o uso privado, porém, admitindo-se esta utilização em atividade de produção, com a finalidade de desenvolver atividade comercial ou profissional, desde que seja provada a vulnerabilidade desta pessoa física ou jurídica que está adquirindo o produto ou contratando o serviço.
“Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços, provada a vulnerabilidade, concluiu-se pela destinação final de consumo prevalente. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave é o da vulnerabilidade.”[14]
A teoria mista trata diferenciadamente aqueles que adquirem um produto ou serviço para utilizá-lo como forma de produção, pois estes adquirentes podem possuir tanta vulnerabilidade em relação ao produto ou serviço que está sendo adquirido, como qualquer outra pessoa que o utilizaria para satisfação de uma necessidade própria.
Seria, por exemplo, a padaria que compra um veículo automotor para utilizá-lo na entrega das encomendas e este apresenta diversos vícios de produção; ou ainda, a empresa de entrega de correspondências que adquire um veículo para utilizar no transporte de mercadorias e este apresenta os mesmos problemas encontrados no automóvel adquirido pela padaria. Há de se notar que tanto o padeiro como a empresa de entrega de correspondências possuem habilidades distantes da produção de automóveis, portanto podem não ter o menor conhecimento técnico sobre veículos, da mesma maneira que qualquer outra pessoa que adquire o veículo para uso privado. Para a teoria mista, são todos igualmente vulneráveis neste aspecto.
Esta corrente, entre as três já mencionadas, apresenta mais concordância com o princípio fundamental do Código de Defesa do Consumidor, que é a proteção dos mais fracos perante os mais fortes, daqueles que são, portanto, notadamente, vulneráveis.
O Código do Consumidor brasileiro tem como elemento fático a proteção dos vulneráveis, em observância da boa-fé empregada na relação jurídica de consumo.
Seguindo a corrente finalista, o padeiro e a empresa de entrega de correspondências, sujeitos de direitos que utilizamos como exemplo neste item, mesmo sendo, visivelmente, as partes vulneráveis da relação jurídica estabelecida com a fabricante dos automóveis, não poderiam se utilizar do CDC para elucidar seu problema, pois não seriam considerados consumidores.
Assim sendo, fica evidenciado uma proteção incompleta do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pois não estaria atingindo o objetivo de harmonizar as relações jurídicas de consumo entre os sujeitos de direitos vulneráveis e os sujeitos que estão na posição de comando.
Se a corrente finalista não transmite uma proteção integral, a teoria maximalista, por sua vez, faz uma proteção demasiada, quando incumbe ao CDC uma tarefa que seria do Código Civil brasileiro: regulamentar a relação jurídica entre dois fornecedores, que devem ser tratados como iguais.
Destarte, não restam dúvidas de que a corrente que adota a teoria mista é a mais condizente com o intento e com os princípios que conduzem todo o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a saber: o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e a aferição da boa-fé nas relações entre consumidores e fornecedores.
Portanto, a teoria mista, corrente da qual faço parte, determina de forma mais acertada o conceito de consumidor – destinatário final.
2.4 Consumidores equiparados
Até este momento, tratamos neste capítulo da explicitação do termo consumidor, quando conferido àquela pessoa individual, determinável, que, como destinatário final, adquire ou utiliza produto ou serviço.
Ocorre que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor vai mais além, e confere, também, à coletividade de pessoas e vítimas do evento o status de consumidor.
2.4.1 A coletividade de pessoas
O parágrafo único do artigo segundo do CDC decide que a coletividade de pessoas, determináveis ou não, que haja intervindo nas relações de consumo, são equiparáveis aos consumidores.
Assevera Filomeno que, “Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2° do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a determinado produto ou serviço. Tal perspectiva é extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos e serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim, abstratamente, as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores. Ou, então, se já provado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis, circunstâncias essas pormenorizadamente previstas a partir do art. 8° e seguintes do Código do Consumidor, e, sobretudo pelo art. 81 e seguintes.”[15]
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor reconhece que as pessoas, mesmo sem adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, ou que estejam em grupos indetermináveis, podem estar em condição de vulnerabilidade às práticas comerciais cometidas pelos fornecedores.
Sendo assim, esse grupo de pessoas necessita ser defendido, amparado através das normas e princípios do CDC, de forma equiparada àqueles consumidores individuais e determináveis que participaram da relação jurídica de consumo, ou seja, adquiriram produtos ou serviços como destinatário final.
A coletividade de pessoas (consumidores equiparados), que, de algum modo, tiver sido prejudicada pelos atos cometidos pelos fornecedores goza de toda a garantia oferecida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Este regramento se completa com o artigo 29 do CDC, que também iguala aos consumidores, todas as pessoas, determináveis ou não, expostas a práticas comerciais abusivas.
“A leitura adequada do art. 29 permite, inclusive, uma afirmação muito simples e clara: não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram expostas às práticas. É mais do que isso. O que a lei diz é que, uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática.”[16]
A norma do referido artigo estabelece, portanto, que a coletividade de pessoas, mesmo que sejam representadas por órgãos de defesa do consumidor, podem ser amparadas através das diretrizes estabelecidas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, para se defenderem dos atos abusivos praticados pelos fornecedores no meio social.
2.4.2 Vítimas do evento
Quando versa sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 17, trata como sendo consumidor, através de equiparação, todas as vítimas de um acidente de consumo.
Este consumidor equiparado, denominado como consumidor bystander, mesmo não tendo uma participação direta em uma determinada relação de consumo, pode tornar-se vítima de um evento danoso causado por um acidente de consumo e sofrer consequências da mesma forma como o consumidor que adquiriu o produto ou o serviço.
Sendo assim, basta que a pessoa física ou jurídica tenha sua segurança ou saúde atingida por um evento decorrente de um produto ou serviço, mesmo que não tenha adquirido ou utilizado este produto ou serviço, podendo até, esta pessoa, ser estranha à relação de consumo, para que seja igualada a condição de consumidor e tenha toda a proteção das normas e princípios presentes no Código de Defesa do Consumidor.
Como exemplo, tome a seguinte situação: um estudante que acaba de ser aprovado no vestibular de direito, encontra em cima da sua mesa de estudos um bilhete dos seus pais dizendo que ele fosse, o quanto antes, à concessionária de automóveis que fica localizada na avenida principal da cidade, pois eles haviam comprado um automóvel como prêmio pela sua aprovação no vestibular. O estudante apanha todos os seus documentos e vai até a concessionária buscar o seu automóvel novo. Ao sair da loja guiando o veículo, o estudante observa que a luz vermelha do semáforo acende, ele pisa no pedal do freio e constata que este não está funcionando, ele ainda tenta controlar o automóvel, porém a direção também não obedece aos seus comandos e o veículo vai de encontro a um ponto de ônibus, atingindo uma médica, um padeiro e um veterinário que estavam no local. Feita a perícia, constata-se que o veículo, apesar de novo, foi entregue ao consumidor sem uma peça que serve de encaixe ao pedal do freio e, além disso, com a barra de direção quebrada.
Neste caso, todas as pessoas atingidas pelo veículo são vítimas do acidente de consumo, sendo, portanto, consumidores equiparados ao estudante (o estudante, por sua vez, é consumidor porque seus pais adquiriram o veículo para lhe satisfazer um desejo ou uma necessidade). Todas essas pessoas (o estudante, a médica, o padeiro e o veterinário) podem reclamar os seus direitos junto ao fornecedor.
2.5 Direitos básicos do consumidor
Como forma de complementar a conceituação de consumidor, resolvemos adicionar neste capítulo, a explanação sobre os direitos básicos do consumidor, como determina o artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor.
“Art. 6° São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra praticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;(…)
(…) X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”
Portanto, nas relações jurídicas de consumo, devem ser observados esses direitos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Na realidade, devemos interpretá-los como sendo o mínimo de direitos que o consumidor possui nas relações jurídicas de consumo.
3. Conceito de Fornecedor
Após explicitar a conceituação do consumidor, bem como das teorias sobre o assunto e das espécies de consumidor, definir-se-á agora o outro pólo da relação jurídica de consumo, o fornecedor.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor conceitua o fornecedor no artigo terceiro, e traz as definições para produto e para serviço em seus parágrafos, como observaremos a seguir:
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
Da mesma forma que procedemos na acepção do termo consumidor, tomaremos, para uma melhor explicitação, além da conceituação expressa no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, definições do termo fornecedor, também, a partir de dicionários da língua portuguesa e dicionários jurídicos.
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa considera fornecedor como sendo: “adj.s.m. 1 que ou o que fornece (algo) 2 que ou aquele que abastece com regularidade (alguém) com algum produto, matéria-prima, água, gás, eletricidade etc. 3 que ou o que produz, que é fonte de; produtor.”[17]
O Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa traz o seguinte significado para fornecedor: “adj. 1. Que fornece. S. m. 2. Aquele que fornece ou se obriga a fornecer mercadorias.”[18]
Para Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, encontramos o seguinte sentido para fornecedor:
“1. É a pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou ente despersonalizado, que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”[19]
Segundo Pedro Nunes, em seu Dicionário de Tecnologia Jurídica, o conceito de fornecedor seria: “Aquele que fornece ou abastece de víveres ou mercadorias necessárias. Produtor.”[20]
Nota-se que, entre os conceitos de fornecedor explicitados acima, incluindo o disposto pelo próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor, apenas o Dicionário Houaiss da língua portuguesa traz em sua definição do termo fornecedor, o pré-requisito essencial para se determinar a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, e os entes despersonalizados, como sendo um fornecedor: a habitualidade.
Importantíssimo se faz a expressa disposição no conceito de fornecedor: somente poderá ser determinado como sendo fornecedor, aquela pessoa que coloque produtos ou serviços no mercado de consumo de forma habitual.
Se, por exemplo, uma padaria que possua um veículo automotor e o utilize para transportar suas encomendas, decidir vender este veículo para uma pessoa particular, este estabelecimento não pode ser considerado como fornecedor nessa relação, pois ela não tem habitualidade de negociar a compra e venda de veículos automotores. A padaria tem a habitualidade, apenas, de produzir alimentos.
No exemplo supramencionado, inexiste um fornecedor nesta relação de consumo, portanto esta relação não poderá ser normatizada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, visto que o consumidor carece da presença do fornecedor para que exista a relação jurídica de consumo e para que esta seja regulada pelo CDC. Assim, esta relação deverá ser regida pelo Código Civil brasileiro.
Justamente pela obrigatoriedade da existência de um fornecedor para que o consumidor possa ser tutelado pelos efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é que a definição de fornecedor recebe tanta amplidão. O Código determina que fornecedor seria aquela pessoa que desempenha atividade de produzir, montar, criar, construir, transformar, importar, exportar, distribuir ou comercializar produtos ou prestar serviços. Sendo assim, é fornecedor aquele que coloca produtos ou serviços à disposição no mercado de consumo, desde que de forma habitual.
4. Conceito de Produto
Vamos tratar agora do produto, e em seguida do serviço, elementos objetivos da relação jurídica de consumo.
Produto é a consequência da produção, é a coisa que foi fabricada para ser colocada no mercado de consumo, tornando-se, por subsecutivo, o direito do consumidor e a obrigação do fornecedor no processo da relação jurídica de consumo. O parágrafo 1° artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor define produto como sendo: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” Devemos dizer aqui, ainda, que o produto pode ser novo ou usado.
Esta definição trazida pelo Código de Defesa do Consumidor nos dá, inclusive, uma boa oportunidade de exemplificar, na prática, o motivo pelo qual o CDC deve ser tratado como microssistema jurídico (já tratamos mais detidamente este assunto no capítulo II desta obra), quando, o parágrafo primeiro do artigo 3° do CDC nos remete ao conceito de bem, originado do Código Civil brasileiro.
É verdade que o termo bem é mais abarcante que o termo produto, porém o Código do Consumidor, para possibilitar uma proteção ampla, sob todos os aspectos, determina que o produto aludido na matéria trata-se de qualquer bem. Sendo assim, para as relações jurídicas de consumo, bem tem o mesmo significado de produto, mesmo que móvel ou imóvel, material ou imaterial, durável ou não durável, novo ou usado.
Destarte, produto sendo tomado como qualquer bem, vamos, pois, elucidar a concepção do termo bem: Bem é uma coisa que pode ser útil e almejada, sendo suscetível de ser apropriada. “Assim, todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. O sol, o mar, a lua são coisas, mas não são bens, porque não podem ser apropriados pelo homem.”[21] Na acepção consumerista, bem – produto deve ser entendido como o objeto da relação jurídica de consumo. Este objeto satisfaz a necessidade do consumidor que o adquire ou o utiliza como destinatário final.
O Código de Defesa do Consumidor trata de produto, também, no inciso I e II do artigo 26, quando trata do direito de reclamar dos vícios aparentes ou de fácil constatação dos produtos não duráveis e dos produtos duráveis.
4.1 Produtos móveis ou imóveis
A legislação consumerista considera o produto móvel ou imóvel como unívoco do bem móvel ou imóvel, sendo assim, vamos, pois, elucidar o produto móvel e o imóvel através do Código Civil de 2002:
“Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:
I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local;
II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio”.[22]
Assim, são produtos móveis aqueles que têm a capacidade de movimento próprio ou que possam ser transportados sem que lhe incida qualquer tipo de perda ou modificação; já os produtos imóveis não podem ser transportados, em caso contrário, sofrerão avarias em sua substância ou depreciação em sua destinação econômico-social.
4.2 Produtos materiais ou imateriais
Os produtos materiais são as coisas corpóreas, são os objetos que ocupam espaço no mundo físico, aqueles que nós podemos ver e tocar, como por exemplo, uma caneta, um livro, um sapato.
Os produtos imateriais são as coisas incorpóreas, nós não podemos sentir essas coisas fisicamente, elas não ocupam lugar no meio físico, são, portanto, produtos abstratos. Podemos citar como exemplo destes, vários produtos oferecidos pelas instituições financeiras, como o mútuo e a caução, ou mesmo produtos oferecidos por outras instituições, como a energia elétrica.
4.3 Produtos não duráveis
Podemos tomar a significação, dada pelo artigo 86 do Código Civil brasileiro, de bens consumíveis para definir o produto não durável: “São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.”[23]
O objeto da relação de consumo denominado como produto não durável tem a mesma característica definida pelo Código Civil, é um produto que se exaure, naturalmente, pela sua própria utilização. Como por exemplo: alimentos, bebidas, produtos de higiene etc.
4.4 Produtos duráveis
O produto durável é aquele que, diferentemente do produto não durável, não se exaure pelo próprio uso. São bens que devem ser utilizados várias vezes por um longo decurso de tempo. Pode-se citar como exemplo de produto durável um automóvel, uma mesa, um computador, um livro, entre outros.
Ressalte-se que os produtos descartáveis são produtos duráveis. O produto descartável é destinado a ser utilizado uma única vez, porém este produto não se exaure pelo seu próprio uso; ele é aproveitado uma única vez porque é jogado no lixo após o uso. Assim sendo, este tipo de produto não se enquadra na definição de produto não durável, Portanto devemos caracterizá-lo como um produto durável. Por exemplo: garfo de plástico, guardanapo etc.
5. Conceito de Serviço
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor define, no parágrafo segundo do artigo 3°, serviço como sendo: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Para o Código, serviço é, portanto, aquela atividade que é fornecida mediante pagamento, ou seja, os serviços prestados sem remuneração não são regulados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Deve-se entender aqui que, por vezes o produto e o serviço são ofertados como se fossem gratuitos ao consumidor, mas na realidade o preço deste produto ou serviço está incumbido no valor de outro produto ou serviço que o consumidor deverá adquirir – É o pagamento indireto. Este tipo de serviço deve ser considerado como um serviço efetuado mediante pagamento, já que o consumidor, indiretamente, paga pelo serviço, portanto, tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Importante se faz ressaltar que, a prestação de serviços pode ou não vir acompanhada de um produto, mas quando o fornecedor se presta a vender um produto, este processo sempre acompanha a prestação de um serviço. Veja o exemplo: Quando o cabeleireiro corta o cabelo do consumidor, somente se verifica a prestação de serviço; porém quando o consumidor vai adquirir um automóvel, o vendedor presta serviço ao atendê-lo, ao fornecer-lhe o test drive etc.
O Código de Defesa do Consumidor divide os serviços em não duráveis e duráveis. Consideramos um serviço não durável aquele que se completa com uma prestação, sem a necessidade de prosseguimento nesta prestação. Um exemplo de uma prestação de serviço não durável é o corte de cabelo. Já o serviço durável é aquele que é prestado de forma contínua. Neste tipo de serviço é estabelecido um prazo para a sua prestação. Como por exemplo, o serviço de ensino prestado aos acadêmicos, por uma faculdade.
5.1 Serviço de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária
Mesmo com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor dispondo expressamente que as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, são serviços regidos pelo CDC, as instituições financeiras tentaram, através da Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, que propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 2591, no ano de 2001, fundar a errônea ideia de que as atividades praticadas pelas instituições financeiras não deveriam ser reguladas pelo CDC.
Alegavam, à época, que o Sistema Financeiro Nacional, de acordo com o artigo 192 da Constituição Federal, não se tratava de matéria a ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois, este assunto só poderia ser tratado por uma Lei Complementar, e o Código do Consumidor trata-se de uma lei Ordinária. O resultado proferido pelo Supremo Tribunal Federal foi pela improcedência.
Vale ressaltar que, desde 29 de maio de 2003, a Emenda Constitucional n° 40 modificou a redação do caput do artigo 192 da Constituição Federal, e revogou seus parágrafos.
“No Egrégio Superior Tribunal de justiça, tal questão já se encontra totalmente pacificada, o que se verifica do enunciado n° 297, da Súmula da Jurisprudência daquela excelsa Corte.”[24]
Neste entendimento, José Reinaldo de Lima Lopes completa: “É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e securitários encontram-se sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. Não só existe disposição expressa da Lei n° 8.078/90 sobre o assunto (art. 3°, § 2°), como a história da defesa do consumidor o confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de crédito ao consumo foi das primeiras a ser criada. De outrolado, nas relações das instituições financeiras com seus ‘clientes’ podem-se ver duas categorias de agentes: os tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes).”[25]
Ora, não há o que se discutir neste assunto, visto que a simples observância das atividades prestadas por estas instituições financeiras não deixam a menor brecha para entendimento em contrário. Os bancos prestam serviços e oferecem produtos aos consumidores com habitualidade. Assim sendo, os bancos devem se submeter às regras estabelecidas pelo Código do Consumidor, exceto, com obviedade, quando a relação jurídica não se der entre uma instituição financeira – fornecedor e uma pessoa que se enquadre como consumidor.
5.2 Serviços públicos
A Constituição Federal determina que pertença aos órgãos públicos o dever de manter, explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços públicos. Com o desígnio de obrigar a prestação adequada, contínua, eficiente e segura desses tipos de serviços, o Código de Defesa do Consumidor dispõe, no artigo 22, sobre a prestação dos serviços públicos:
“Art. 22 Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.”
Da mesma maneira que, no artigo terceiro, tratou da pessoa jurídica pública como fornecedor de produtos ou serviços, o Código do Consumidor traz, no artigo 22, regramentos para a prestação de serviços pelos órgãos públicos.
O Código atribui, sabidamente, a todas as pessoas, públicas ou privadas, que possam prestar serviços públicos, a responsabilidade pela qualidade do serviço que estejam fornecendo.
Assim sendo, aplica-se este dispositivo à União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e empresas privadas que, sob concessão, permissão ou qualquer outra forma, prestem serviços públicos aos consumidores.
Deve-se alertar aqui que o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado àqueles serviços em que o consumidor pague por eles através de tarifa ou preço público.
Em se tratando de serviço remunerado através de tributos ou taxas, o Código não os regula. O pagamento de taxa decorre de obrigação tributária. Nesta situação, não estamos tratando de um consumidor, mas sim de um contribuinte.
APÊNDICES
PRINCIPAIS JURISPRUDÊNCIAS
Adiante, acompanharemos determinados entendimentos dos Tribunais de Justiça brasileiros, versando sobre o conceito de consumidor, adotando, para tanto, uma das teorias doutrinárias: finalista, maximalista ou mista.
Embargos de declaração – Legitimidade recursal limitada às partes – Não cabimento de recurso interposto por amici curiae – Embargos de declaração opostos pelo procurador geral da república conhecidos – Alegação de contradição – Alteração da ementa do julgado – Restrição – Embargos providos. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC.4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compões o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: art. 3°, §2°, do CDC. Código de Defesa do Consumidor. Art. 5°, XXXII, e Art. 170,V, da CF/1988. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente. (ADI 2591 ED – rel. Min. Eros Grau – Tribunal Pleno – j. 14/12/2006 – Dj 13/04/2007).
CONTRATO. SEGURO EMPRESARIAL. CDC.
É considerada consumidora, a teor do art. 2º da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), a pessoa jurídica que contratou um seguro contra eventuais danos que venha a sofrer, dentre os quais roubo e furto de seu patrimônio. Na espécie, o contrato de seguro objetiva a proteção do seu próprio patrimônio e não dos clientes para os quais presta serviço. A proteção objeto do seguro não integra, de forma alguma, os serviços prestados por ela. Precedentes citados: REsp 193.327-MT, DJ 10/5/1999, e REsp 541.867-BA, DJ 16/5/2005. REsp 733.560-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/4/2006.
Apelação cível – Direito privado não especificado – Ação de cobrança cumulada com pedido de danos morais – Compra de caminhão particular – Relação jurídica de natureza civil – Em se tratando de relação jurídica de natureza civil, aplicável ao caso o disposto no art. 441 do Código Civil Brasileiro e não o Código de Defesa do Consumidor – Prazo de reclamação – Vícios ocultos – Do direito de reclamar por vícios ocultos, decai o adquirente no prazo de 30 dias, consoante art. 445, do Código Civil Brasileiro, passando o mesmo a contar da data de efetiva entrega do bem – Vício redibitório – Ausência de comprovação – Inexistindo efetiva comprovação da ocorrência dos fatos alegados, inviável a procedência dos pleitos – Hipótese em que o autor não comprovou, satisfatoriamente, a existência de vício oculto no caminhão adquirido, considerando, especialmente, que se trata de profissional do ramo de compra e venda de automóveis, estando acostumado aos procedimentos de avaliação técnica/mecânica e financeira dos bens que fomentam sua atividade profissional, bem como pelo fato de que o bem móvel adquirido possuía cerca de 20 anos de uso. Inteligência do art. 333, I do CPC. Apelo improvido (TJRS – 10ª Câm. Civ. – AC 70019621630 – rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz – j. 29/11/2007 – Dj. 13/12/2007 p.56).
CDC. COMPETÊNCIA. DANO MORAL. DOAÇÃO. SANGUE.
A recorrente alega que houve erro de diagnóstico do réu, que atestou ser ela portadora do vírus da hepatite tipo C, o que foi comunicado a todos os bancos de sangue do país, impedindo que ela doasse sangue. Promoveu ação de indenização de danos morais em seu domicílio, na qualidade de consumidora (art. 101, I, do CDC). Oposta exceção de incompetência, ela foi acolhida ao entendimento de não se cuidar de relação de consumo. Para o Min. Relator, o serviço traduz-se, exatamente, na retirada do sangue da doadora e, inegavelmente, ela toma o serviço como destinatária final no que se refere à relação exclusiva entre essas duas partes, relação que também integra uma outra entre o banco de sangue e aquele que irá utilizá-lo. É um caso atípico, mas, nem por isso, pode ser apartado da proteção consumerista. São dois os serviços prestados e relações de consumo, sendo que a primeira é uma em si mesma, a captação de sangue pelo banco, mas faz parte de uma segunda, o fornecimento de sangue pelo banco ao recebedor. A primeira tem um custeio, sim, mas indireto, visto que pela segunda o banco é remunerado de uma forma ou de outra. Dessa maneira, pode, efetivamente, considerar-se a doadora como partícipe de uma relação de consumo em que ela, cedendo seu sangue, usa os serviços da empresa ré, uma sociedade limitada, que, no próprio dizer do Tribunal recorrido, como receptora do sangue, vende ou doa. Na espécie, a captação de sangue é atividade contínua e permanente do hemocentro. É sua matéria-prima o sangue e seus derivados. Não se cuida de um serviço que foi prestado casual e esporadicamente, porém, na verdade, constante e indispensável ao comércio praticado pelo réu com a venda do sangue a hospitais e terceiros, gerando recursos e remunerando aquela coleta de sangue da autora que se fez, ainda que indiretamente. Nessas circunstâncias, enquadra-se a hipótese, adequadamente, no conceito do art. 2º do CDC, de sorte que o privilégio do foro do domicílio do consumidor, assegurado no art. 101, I, daquele código, é de ser aplicável ao caso. Diante disso, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, para declarar competente o foro da comarca onde originariamente ajuizada a demanda. REsp 540.922-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 15/9/2009. (4ª Turma) (Inf. 407)
COMPETÊNCIA. CONTRATAÇÃO. SERVIÇO. CRÉDITO. EMPRESA. RELAÇÃO. CONSUMO.
O estabelecimento comercial, no caso, uma farmácia, celebrou contrato de prestação de serviço de pagamento por meio de cartão de crédito com a ré. Lastreada nesse contrato, vendeu, mediante cartão de crédito, depois de prévia consulta, medicamentos a um consumidor. Contudo a administradora do cartão não pagou a farmácia. Diante da recusa, à farmácia ajuizou uma ação cujo objetivo é o pagamento de dano moral, material, emergente e lucro cessante, bem como a devolução da importância relativa à compra dos medicamentos. A ação foi proposta no foro do Rio de Janeiro, sede da farmácia. Todavia a ré suscitou exceção de incompetência, ao fundamento de existir cláusula de eleição de foro. Acolhida a exceção, remeteram-se os autos à Comarca de São Paulo. A Seção, prosseguindo o julgamento, por maioria, entendeu ser a farmácia destinatária final do serviço de crédito, portanto é o Código de Defesa do Consumidor que rege a relação negocial entre as partes e, consequentemente, declarou inválida a cláusula de eleição de foro para privilegiar o foro do consumidor (art. 6º, VIII, do CDC). CC 41.056-SP, Rel. originário Min. Aldir Passarinho Junior, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/6/2004.
Código de Defesa do Consumidor – Destinatário final: conceito – Compra de adubo – Prescrição – Lucros cessantes. 1. A expressão “destinatário final”, constante da parte final do art. 2° do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento (STJ – 3ª T. – REsp 208793/MT – j. 18/11/1999 – rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
CDC. CONTRATO. PESSOA JURÍDICA. FORO COMPETENTE. SERVIÇOS DE SOFTWARE.
Para a determinação do foro competente para apreciar e julgar controvérsia referente a contrato entre pessoas jurídicas na utilização de serviços de suporte e manutenção de software, deve ser afastada a cláusula que prevê foro diverso do domicílio do autor da demanda, pela aplicação extensiva do conceito de consumidor, ex vi dos arts. 2º e 101, I, do CDC. A recorrente se enquadra em tal conceito porque os serviços prestados pela recorrida não são repassados aos consumidores da recorrente, sendo ela o destinatário final desses. Ela utiliza os serviços para controle interno de sua produção de alimentos. REsp 488.274-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/5/2003.
conceito de destinatário final para fins de aplicação do CDC
Pela Teoria Maximalista, destinatário final é todo aquele consumidor que adquire o produto para o seu uso, independente da destinação econômica conferida ao mesmo. Tal teoria confere uma interpretação abrangente ao artigo 2° do CDC, podendo o consumidor ser tanto uma pessoa física que adquire o bem para o seu uso pessoal quanto uma grande indústria, que pretende conferir ao bem adquirido desdobramentos econômicos, ou seja, utilizá-lo nas suas atividades produtivas.
Pela Teoria Finalista (ou subjetivista), destinatário final é todo aquele que utiliza o bem como consumidor final, de fato e econômico. De fato porque o bem será para o seu uso pessoal, consumidor final econômico porque o bem adquirido não será utilizado ou aplicado em qualquer finalidade produtiva, tendo o seu ciclo econômico encerrado na pessoa do adquirente.
Cláudia Lima Marques e Antônio Herman V. Benjamim defendem a teoria finalista, definindo o conceito de "destinatário final" do art. 2º do CDC: "O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção." (In "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", 2ª Ed.,São Paulo, Editora Revista do Tribunais, 2006, p. 83/84).
Ambas as teorias, contudo, não são indenes de críticas. A teoria maximalista é criticada pela sua excessiva abrangência, uma vez que o CDC se destinaria à defesa dos consumidores hipossuficientes e vulneráveis, e a teoria finalista é atacada por ser muito restritiva, excluindo de sua incidência figuras da relação de consumo que também poderiam ser consideradas hipossuficientes, como a pequena empresa e o profissional liberal.
Neste aspecto, cumpre esclarecer que se define a vulnerabilidade analisando-se todos os aspectos da relação estabelecida e não somente o aspecto econômico. O adquirente do produto ou serviço pode ser vulnerável em relação ao fornecedor pela dependência do produto; pela natureza adesiva do contrato imposto; pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável; pela extremada necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade, dentre vários outros fatores.
O STJ, em geral, tem manifestado o entendimento pela Teoria Finalista Mitigada, ou seja, considera-se consumidor tanto a pessoa que adquire para o uso pessoal quanto os profissionais liberais e os pequenos empreendimentos que conferem ao bem adquirido a participação no implemento de sua unidade produtiva, desde que, nesse caso, demonstrada a hipossuficiência, sob pena da relação estabelecida passar a ser regida pelo Código Civil.
Logo, importa dizer que uma pessoa jurídica, para postular em juízo na qualidade de consumidora, deverá comprovar o seu estado de hipossuficiência e vulnerabilidade ao adquirir um bem ou serviço e desde que estes não tenham ligação direta com os insumos ou matérias-primas necessárias à efetivação de seus produtos, segundo a teoria finalista mitigada.
Conceito jurídico de consumidor e os "bystanders"
I. Introdução
A análise do tema principia com a leitura do art. 2º, CDC:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
O dispositivo traz a conceituação jurídica do consumidor padrão (standard). Porém, há grupos que também serão tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, mesmo que não haja de sua parte a prática efetiva de consumo. São eles: (a) a coletividade de pessoas; (b) as vítimas de acidente de consumo e; (c) as pessoas expostas às práticas comerciais.
O ponto de convergência entre as três espécies diz respeito à desnecessidade de prática de um ato de consumo de forma direta para que haja a incidência da norma consumeirista. O foco de análise neste post, portanto, cinge-se aos consumidores equiparados.
II. A coletividade de pessoas
Art. 2º
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Temos que esse dispositivo tem por objetivo instrumentalizar a tutela coletiva dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos contidos a partir do art. 81, CDC.
Não há dúvida no sentido de que o escopo da norma foi a proteção da coletividade de pessoas que, mesmo sem a realização direta de um ato de consumo propriamente dito, poderá sofrer as consequências da mera atuação dos fornecedores no mercado. Nessa linha, é importante fixar que embora o dispositivo mencione a equiparação para quem "haja intervindo nas relações de consumo", o significado não se restringe às posturas ativas de consumo.
III. As vítimas de acidente de consumo
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
O capítulo mencionado pelo dispositivo é "Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço" como, ou seja, trata da responsabilidade dos fornecedores quando a ocorrência de um acidente de consumo, que pode gerar danos ao consumidor de várias ordens: a sua saúde, integridade ou patrimônio.
A ratio desta norma é tutelar todas as vítimas de um acidente de consumo e não apenas aqueles que diretamente participaram do ato de consumo, sendo suficiente para incidência da norma consumeirista que tenham sofrido danos decorrentes de um acidente de consumo atribuível ao fornecedor. Esses terceiros, meus amigos, é que são efetivamente os bystanders.
Exemplo clássico: um avião que ao decolar não é bem sucedido e vem a cair sobre diversas casas da região. Nesse caso, todas as vítimas do acidente são equiparadas aos consumidores que estavam dentro do avião, mesmo que não tendo uma relação de consumo em sentido estrito.
Outro exemplo: Você compra um celular para presentear alguém e quando a pessoa faz uso do aparelho ele explode. Essa pessoa é vítima de um acidente de consumo e será protegida como consumidora independentemente de ter sido ela ou não que tenha realizado a compra.
Portanto, os bystanders são aqueles que até determinado momento eram apenas considerados espectadores e passam à condição de consumidores equiparados quando são vítimas de um acidente de consumo.
IV. As pessoas expostas às práticas comerciais
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Finalizando a análise e de forma bastante sucinta, os capítulos mencionados são das práticas comerciais e da proteção contratual do consumidor. Observe que este artigo acaba funcionando como uma espécie de norma de abertura, no sentido de permitir que se enquadrem no contexto da proteção do CDC outras situações. É preciso ter cautela na aplicação deste dispositivo, uma vez que o intuito do CDC é a proteção do vulnerável e não funcionar de forma indistinta para o controle de outros contratos em direito privado.
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